Transcrevemos abaixo o preciso e corajoso texto do ex-representante da Interpol, Armando Rodrigues Coelho Neto, postado no site GGN https://jornalggn.com.br
Capitão Nascimento, Sergio Moro,
Bretas e o sargento da Paraíba
“Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal
é a data”, disse certa feita Luís Fernando Veríssimo. Se pudesse tentar ir
além, eu diria que às vezes, o nome do jornalista que comete o crime de
imprensa também. Do mesmo modo, o fato pode ser verdadeiro, embora
descontextualizado ou a serviço de golpes de estado. Exemplo: Farsa Jato. Digo
isso a propósito de me isentar de alguma responsabilidade sobre o que escrevo.
Incrédulo, se eu fosse mais honesto começaria todas as falas com expressões do
tipo reza a lenda que...
Fui, com prejuízo, avalista de um
aluguel para uma pessoa conhecida, proprietária de uma “lan house” e sorveteria
no centro de São Paulo. Eu, que não sou capaz de gerenciar um carrinho de
pipoca, seria o proprietário oculto, o que levou a Polícia Federal a
bisbilhotar minha riqueza. Tempos depois, eu lá estava, quando baixou a tropa
de choque da assassina PM paulista, liderada por um truculento graduado
militar, visivelmente inspirado no capitão Nascimento, que parecia fazer
sucesso naquela época. Decepcionados com sorvetes, colheres de plástico e
casquinhas de waffles, resolveram revistar bolsas e bolsos...
Claro que a truculência foi parar na
“serena e imparcial” corregedoria da PM para não dar em nada e ainda ter que
ouvir um “aonde o senhor quer chegar com isso?”. A tropa recebeu uma denúncia,
deveria fazer o quê? Pergunta que muito a gosto deve ter inspirado um
representante da Guarda Metropolitana paulista, que em vídeo declarou que a
abordagem de pobre não pode ser igual a de rico e essa é a orientação que dá a
seus subordinados. Pode ter inspirado o delegado da Civil que foi procurar
droga na casa do filho do ex-presidente Lula e acabou levando computadores e
documentos. Portanto, Sérgio Moro já pode até ter mais um papel sem assinatura contra
o seu desafeto figadal.
Eis um conjunto inspirador que pode
ter servido de mote para o ridículo filme (não vi e não gostei) a “Lei é para
todos”, menos para Aécio Neves - bandido de estimação da maioria absoluta da
Polícia Federal. Foi nessa onda de inspiração, que durante uma audiência, em
Curitiba, os oficiantes da Farsa Jato interpretaram como possível ameaça
algumas falas do ex-presidente Lula. O que o senhor quis dizer quando disse
isso e aquilo no discurso no lugar tal e tal, perguntou Moro. Em clima de
interpretações legais rasteiras, o Ministério Público Federal, para construir a
imagem de bandido na figura de Lula, interpretou ações penais legítimas (jus
sperniandi) como atos intimidatórios e ameaça.
Voltemos aos jornais e suas datas.
Durante uma audiência com o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, o
juiz Marcelo Bretas sentiu cheiro de ameaça numa fala do réu, que falou de uma
suposta loja de bijuterias da mulher do juiz, num contexto em que se falava de
joias. “É no mínimo suspeito e inusitado o acusado, que não só responde a
este processo como a outros, venha aqui trazer em juízo informações sobre a
rotina da família do magistrado”. Por que jornais? Porque se é verdade o que
veicularam, não houve ameaça e mais uma vez impetrou a hermenêutica subjetiva e
não me venham dizer que estou defendendo bandido.
Eis que o corporativismo entrou em
cena, a associação dos magistrados emitiu nota contra qualquer ameaça a juízes
(quem é a favor?). Os mais rígidos observadores do Direito Penal são categóricos
no sentido de que, sequer veladamente, o fato configuraria ameaça. Se Cabral
precisa ser transferido por razões outras, o juiz da causa escolheu mal o
momento. Se o juiz tinha alguma informação de ameaça pessoal, lógico que pegou
na palavra no primeiro indício, glamourizando assim, via Rede Globo de
Televisão, a audiência com o inimigo público do Rio de Janeiro.
Esse surto inspirador do subjetivismo
do Poder Judiciário causou perplexidade até ao golpismo dos Mesquitas. Em
editorial, o jornal O Estado de S. Paulo tratou a postura de Bretas como um
exagero - “entrevero menor... inspirado por suscetibilidades pessoais”. Diz
ainda que “mesmo excluindo a hipótese mais extrema”, o regime rigoroso da
penitenciária de segurança máxima de Campo Grande (MS), “onde se encontram
grandes traficantes e líderes de organizações criminosas, prisão federal não se
coaduna com o comportamento de Cabral”. Em síntese, alguns olhos parecem se
abrir para os descaminhos do judiciário. Inspirado em quem?
Pois bem. Li recentemente que uma
estudante do Curso de Letras da Universidade Estadual da Paraíba (Guarabira)
escreveu no mural daquela instituição de ensino a seguinte frase: “Seja
marginal, seja herói”. A frase é de Hélio Oiticica, fruto de uma série de
trabalhos da década de 60/70, que ficaram conhecidos como marginalia. O autor
morou na Mangueira, onde viviam também marginais. Ele descobriu um olhar
artístico fora do conceito elitizado de cultura. Do plástico ao escrito, havia
marcas da violência, crítica e contraponto aos conceitos de então. Chegou-se a
falar em arte e cultura na idade da pedrada...
Um policial militar do 4° Batalhão
local não gostou da frase e apagou. Ao se deparar com a estudante tentando
reescrever, deu voz de prisão por apologia ao crime e dano ao patrimônio
público. Ao interceder em favor da jovem, o diretor do Centro de Humanidades
também foi enquadrado. A reportagem de 27/10 não fala a patente do policial,
mas pela pujança judicante é de se concluir ter sido um sargento...
Ironias à parte, a onda de
autoritarismo e de militância subjetivista vem se intensificando. Faz parte da
síndrome de ativismo político-judicial, de forma que cada um, em sua esfera de
“poder”, quer mostrar seu engajamento com a gelatinosa síndrome “sejumoriana”.
O mais grave é que a ela está se somando a cada dia à burrice, à mesma
ignorância que imperou entre os adoradores de pato, das panelas silenciosas e
que hoje protestam contra museus...
Armando Rodrigues
Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e
ex-representante da Interpol em São Paulo
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