"Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória alheia, nossa riqueza gerou sempre a nossa pobreza para alimentar a prosperidade dos outros: os impérios e seus agentes nativos" (Eduardo Galeano).
Mais precisamente após o fim da chamada Guerra Fria, os EUA se arvoraram tutores do mundo e, convictos disso, foram impondo essa posição à maioria dos países e organismos multilaterais, sempre sustentando a narrativa de defesa do seu povo e da democracia mundo afora.
Essa sanha está ligada aos objetivos da velha Doutrina Monroe, criada em 1823 pelo então presidente dos Estados Unidos, James Monroe, cujo objetivo declarado era “impedir a recolonização europeia na América”. Foi também um marco para reforçar a ideia do Destino Manifesto — a crença de que os EUA seriam chamados pela providência a liderar o continente — resumida na presunçosa frase: “América para os Americanos”.
Essa doutrina, aparentemente protetiva para as nações do Hemisfério Ocidental, serviu, na prática, como álibi para a interferência dos EUA nos países americanos, tornando-se terreno fértil para consolidar a cultura expansionista com a pilhagem e mecanismos de espoliação. O restante dessa história — marcada por golpes, invasões e ingerências — é amplamente conhecido.
Passados mais de 200 anos, surge em 05/12/2025 uma reedição da Doutrina Monroe. E, como era de se esperar, ela renasce sob um governo de extrema-direita comandado pelo presidente Donald Trump, com sua volúpia e empáfia de restaurar o papel dos EUA como centro incontestável do poder mundial e estabelecer Estados vassalos submetidos aos interesses de Washington. Como não poderia ser diferente, o documento traz a insolência como marca registrada do presidente, que intitulou a nova doutrina de “Corolário Trump à Doutrina Monroe”.
Essa nova Doutrina Monroe apresenta, de forma clara e peremptória, seus objetivos, deixando nítida também a forte presença do Deep State na formulação do documento. Trata-se de um texto que aborda todos os continentes e acusa, por exemplo, a Europa de bloquear um acordo de paz na Ucrânia. Prevê ainda o “reforço e fortalecimento da presença militar dos EUA na região oeste da Ásia”, onde está localizada Taiwan — maior produtora mundial de chips para modelos de IA (LLM) — num recado direto à China.
É evidente que essa nova estratégia de segurança nacional mira igualmente a América Latina, e particularmente a América do Sul, como principal foco geopolítico nas Américas. Diferentemente do discurso oficial, o alvo dos EUA não é o narcotráfico. O objetivo central — e isso está cristalino — são as riquezas naturais sul-americanas, como as terras raras brasileiras e o petróleo venezuelano. O documento deixa isso explícito ao afirmar que o Hemisfério Ocidental deve “permanecer livre de incursões estrangeiras hostis e da posse estrangeira de ativos essenciais, e que apoie cadeias de suprimentos críticas; queremos garantir nosso acesso contínuo a locais estratégicos importantes”.
Corroborando essa interpretação, o respeitado jornalista Jamil Chade pontua: “pela primeira vez estamos lendo um documento que afirma explicitamente: nós, americanos, queremos o controle sobre a América Latina, e ponto final. São 33 páginas absolutamente claras sobre a estratégia dos EUA para serem hegemônicos no século XXI — e essa hegemonia passa por controlar a América Latina.”
O referido documento fala abertamente sobre a necessidade de militarizar a América do Sul para “expulsar potências estrangeiras” da região — leia-se: frear a influência europeia, chinesa e russa no Hemisfério Ocidental. Vai além: determina que o governo americano instruirá a CIA a identificar pontos estratégicos de recursos naturais na América Latina. Em outro trecho, afirma que os EUA querem ser “os únicos fornecedores de tecnologia” na região — isto é, monopolizar o setor tecnológico.
Embora o texto não mencione interferência direta na política interna dos países latino-americanos — o que nem seria necessário, dada a longa tradição de intervenções sempre que os interesses de Washington estão em jogo —, os exemplos recentes são eloquentes. A Operação Lava Jato, com seus desdobramentos geopolíticos, e a tentativa de coagir ministros do STF por meio da Lei Magnitsky — numa manobra evidente para tentar salvar Bolsonaro da prisão, fiel aliado de Donald Trump — revelam que essa prática permanece viva e operante.
Nesse contexto, vale destacar, ainda, que já estamos assistimos a novos movimentos de ingerência política em outras nações pela Casa Branca, tais como nas eleições de Honduras, nas legislativas da Argentina e mesmo no Chile, onde há denúncias de atuação do governo Trump nas eleições de 2025, em que a candidata de extrema-direita lidera as pesquisas no segundo turno. Some-se a isso o Prêmio Nobel da Paz concedido a María Corina Machado, com evidente ingerência norte-americana como parte de uma estratégia para desestabilizar a Venezuela e preparar a substituição do presidente Maduro. E veja que não mencionamos os criminosos ataques as embarcações civis da Venezuela e da Colômbia que são, também, estratégias para interferir na política desses países.
No caso específico do Brasil, a posição do governo frente a esse documento da Casa Branca deve ser a continuada defesa da soberania nacional e regional. Outro ponto a destacar é o fato de que em 2026 teremos eleições, e é evidente o interesse do governo Trump na vitória de um campo político submisso aos seus objetivos. Para isso, não deve medir esforços para apoiar a direita e a extrema-direita. Caberá ao PT e ao campo progressista redobrarem sua atenção, o que implica, por exemplo, recuperar uma estratégia política baseada na experiência histórica da Frente Única de esquerda, operária e popular. Não há espaço para repetir erros, como a armadilha da Frente Ampla, cujos resultados estamos assistindo na relação do Congresso Nacional com o governo Lula. O campo progressista tem que deixar bem claro nas eleições de 2026 o seu antagonismo com a direita neoliberal, para isso é imperioso apresentar e demonstrar que o projeto da esquerda e a sua aliança política são aqueles que, verdadeiramente, representam os interesses da classe trabalhadora e do povo brasileiro.
Por fim, e frente a esse cenário sombrio, entendemos que o mundo não pode “pagar para ver”. A reedição da Doutrina Monroe representa uma intimidação real por parte dos EUA, cujo objetivo central é dar curso ao seu projeto de tutela e dominação. Assim, é necessário ficar atento aos movimentos do governo Trump. Para nós, latino-americanos, torna-se fundamental fortalecer a unidade regional e a articulação do Sul Global frente às claras ameaças dos imperialistas do Norte à nossa soberania. Ou nos unimos para enfrentar as ameaças do Norte, ou seremos condenados a repetir um passado de violência e submissão. O momento exige consciência, firmeza e ação coletiva. A história da América Latina não permite neutralidade!








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