O dia 26 de junho foi escolhido como o Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura. A data foi uma iniciativa da ONU
cujo objetivo é prestar solidariedade e ajuda às pessoas vítimas de tais
barbáries.
O Brasil assim como várias Nações da
América do Sul, para ficarmos nos exemplos de nossos irmãos mais próximos,
carregam em suas memórias a triste lembrança das violentas ditaduras militares
que tinham como Política de Estado o assassinato, a tortura e o desaparecimento
de todos aqueles que lutavam pela redemocratização de seus países e, por
conseguinte, se opunham a esses regimes de exceções.
No Brasil no período de 1964 a 1985,
segundo apurou a Comissão da Verdade foram 434 cidadãos brasileiros que desapareceram
ou foram mortos pelas mãos do Estado. Na Argentina de 1976 a 1983 a barbárie
foi maior, calcula-se que foram 8.368 vítimas, entre desaparecidos, mortos e
sequestrados; No Chile de 1973 a 1990 os números apontam que 4.299 pessoas
desapareceram ou foram assassinadas; No Paraguai de 1954 a 1969 são 425 entre
mortos e desaparecidos e no Uruguai de 1973 a 1985 foram 350 vítimas entre
desaparecidos e mortos.
O Brasil valendo-se da Lei de Anistia,
ou Lei de Amnésia, está entre os poucos países da América do Sul que não
avançou no processo de reparação, investigação e punição aos militares que
participaram ou comandaram essas barbáries contra cidadãos brasileiros.
Para os defensores do “terrorismo de
Estado”, a Lei 6.683/79 (Anistia) tornou inimputável também os torturadores do
“Regime de Exceção”. Alegam ainda que os possíveis crimes cometidos já
prescreveram e que a imprescritibilidade prevista na Constituição Federal não é
aplicável, pois, a “Carta Magna” é posterior à Lei de Anistia. No campo Político,
esses mesmos defensores e boa parte da corporação militar sustentam que reabrir
essa página da história não passa de revanchismo de uma esquerda terrorista,
para usar o termo do presidente Jair Bolsonaro, arguindo ainda, que revirar
esse passado poderá criar uma grande instabilidade à ordem institucional no
País.
Aliás, sobre essa desmemoriação imposta pelas elites brasileiras o grande escritor Eduardo Galeano nos afirma que " o esquecimento, diz o poder [as elites], é o preço da paz, enquanto nos impõe uma paz fundada
na aceitação da injustiça como normalidade cotidiana. Acostumaram-nos ao desprezo
pela vida e à proibição de lembrar”
A nossa opinião e possivelmente de
muitos brasileiros é totalmente inversa a esses argumentos. No campo jurídico,
vale lembrar que o Brasil é signatário da Convenção da ONU que condena a tortura
e que a considera crime imprescritível, além do que, somos pelo entendimento de
que o Estado não poderia e não pode se auto anistiar, isso seria uma anomalia
jurídica, pois, a tortura não é só crime político, é crime contra a humanidade.
Ademais, os documentos revelados pelo
“Bureau of Public Affairs do Departamento de Estado dos Estados Unidos”,
mostram de forma inequívoca a crueldade do regime militar brasileiro.
Segundo o site do El País o Coordenador
do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Matias Spektor
afirmou que “este é o documento secreto mais perturbador em vinte anos de
pesquisa. O relatório começa descrevendo encontro de 30 de março de 1974 entre
o então presidente Ernesto Geisel, o general Milton Tavares de Souza, o general
Confúcio Danton de Paula Avelino e o general João Baptista Figueiredo, chefe do
SNI. O general Milton Tavares, descreveu o trabalho do Centro de Informações do
Exército (CIE) contra a subversão interna durante a administração do
ex-presidente Médici, enfatizando que o Brasil não pode ignorar a ameaça
subversiva e terrorista e afirmou que métodos extralegais deveriam continuar a
ser empregados contra subversivos perigosos...Nesse sentido, o general Milton
relatou que cerca de 104 pessoas, nessa categoria, haviam sido executadas
sumariamente pelo CIE durante o último ano, ou pouco mais de um ano. Figueiredo
apoiou essa política e defendeu sua continuidade... No dia 1º de abril, Geisel
informou ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que
extremo cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos
perigosos fossem executados1".
Mesmo diante da clarividência dos
fatos, ou melhor, das barbáries cometidas pelo regime de exceção, um setor
expressivo das elites tenta enterrar este período junto aos bravos brasileiros
que lutaram pela redemocratização do país, mas, paradoxalmente, essa mesma
casta, vira e mexe trás o assunto à baila, foi o que ocorreu, por exemplo, com
o candidato da extrema direita, Jair Bolsonaro que ideologizou o tema tortura e
as lembranças do terrorismo de Estado e os transformaram em bandeiras
política/eleitoral nas eleições de 2018 e assustadoramente ganhou votos com
esse abjeto discurso, o
que pode justificar a tese de que boa parte dos brasileiros, ainda, guarda a
herança genética dos velhos valores aristocráticos, escravocratas e dos
senhorzinhos da Casa Grande.
Eleito presidente muitos imaginavam que
Bolsonaro em respeito à liturgia do cargo e o juramento à Constituição Federal,
fosse abandonar esse abjeto discurso de violência, de defesa dos torturadores e
do regime de exceção. Ledo engano! O presidente intensificou esse discurso e
ainda está criando mecanismos e políticas para legitimar tais práticas. O
decreto liberando a posse de arma, as novas “Diretrizes da Política Nacional de
Saúde Mental”, claramente, contrárias às lutas antimanicomial, a lei anticrime
elaborada pelo desmascarado Sérgio Moro e chancelado por Bolsonaro, que,
também, defende abertamente a ampliação dos "excludentes de ilicitudes",
ou melhor, da "licença para matar" e a criminalização dos movimentos sociais com as recentementes prisões temporárias de Preta Ferreira e de mais nove ativistas, são fatos emblemáticos dessas
medidas fascistoides. E se isso tudo não bastasse, no dia 11/06/2019, o presidente Jair Bolsonaro exonerou por meio de decreto todos os
peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão
responsável por investigar violações de direitos humanos em locais como
penitenciárias, hospitais psiquiátricos, abrigos de idosos, dentre outros.
Segundo noticiou o jornalista Bruno
Fonseca do site “Pública” Agência de Jornalismo Investigativo, o “decreto
9.831, assinado determina que a nomeação de novos peritos para o órgão
precisará ser chancelada por ato do próprio presidente, e que esses novos
membros não irão receber salário. Além disso, o ato de Bolsonaro ainda proíbe
que os novos peritos tenham qualquer vinculação a redes e entidades da
sociedade civil e a instituições de ensino e pesquisa, dentre outros2”.
Portanto, estamos diante de uma decisão
que não é meramente administrativa, constitui um ataque às políticas e às
instituições que investigam violações de direitos humanos, tanto que foi
duramente criticada. A entidade Justiça Global, por exemplo, apresentou
denúncia contra essa medida junto ao relator da ONU contra Tortura. Já o perito
Daniel Melo denunciou que essa decisão “foi uma retaliação ao trabalho que
vinha sendo desenvolvido pelos Peritos e pelos demais funcionários do
MNPCT...”.
E por fim, não podemos deixar de
ressaltar a prisão do presidente Lula que nos afigura, em tese, uma forma de
tortura psicológica, afinal o processo foi todo forjado e carregado de
anomalias, arbitrariedades e manobras jurídicas para condená-lo sem crime
tipificado e sem prova. Aliás, as revelações do Site Intercept comprovam essas
afirmações e demonstram que Lula é um preso político, tanto, que a comunidade
jurídica mundial esperava que o STF apreciasse o Habeas Corpus impetrado por
Lula e o libertasse, imediatamente, mas, a Corte Suprema, uma vez mais,
acovardou-se diante das pressões dos militares, do governo e dos barões da
mídia, deixando a conclusão do julgamento para agosto, demonstrando assim que,
realmente, o Sistema Judiciário brasileiro encontra-se totalmente comprometido,
carcomido e desgraçadamente apequenado, o que nos leva a crer que o presidente Lula morrerá trancafiado nas dependências da PF de Curitiba.
Realmente,
o cenário não é nada animador, pois, há fortes sinais apontando para a
volta das velhas e abomináveis práticas obscurantistas de tempos
pretéritos. Aliás, neste sentido o escritor angolano José Eduardo Agualusa em
Palestra no Salão Tiradentes em Araxá/MG fez uma precisa e corajosa
análise: "Não acho que aqui [Brasil] seja uma questão entre esquerda e
direita, não acho mesmo. Aqui é uma luta entre inteligência e estupidez, entre
civilização e barbárie3”.
Assim sendo, só há uma saída para se deter essas forças reacionárias: o povo
nas ruas nos moldes dos trabalhadores da Argélia ou dos "coletes
amarelos" da França, exigindo novas eleições com constituinte exclusiva, caso
contrário, o ovo da serpente vai quebrar e aí já será tarde demais!