Por: Odilon de Mattos Filho
Segundo alguns historiadores, entre tentativas e consumação, o Brasil passou por catorze golpes de Estado desde a sua independência. A esse número, soma-se a deposição da presidenta Dilma Rousseff, que claramente se tratou de um golpe de Estado perpetrado pela elite brasileira por meio do Congresso Nacional — ainda que essa mesma elite não reconheça o episódio como uma ruptura institucional.
O curioso, ou melhor, a vergonha desses períodos sombrios é o fato de que, na maioria dos golpes ou tentativas, os militares das três Forças estiveram envolvidos. O mais chocante é que, até o dia 12 de setembro de 2025, nenhum militar havia sido punido por atentar contra o Estado Democrático de Direito. Talvez essa impunidade explique a recorrente intrepidez dos ocupantes das casernas.
Não há como negar a transcendência histórica do julgamento da tentativa de golpe iniciada em 2022 e culminada no fatídico dia 8 de janeiro de 2023. Encerrado no dia 12 de setembro de 2025 no STF, esse julgamento colocou, pela primeira vez, no banco dos réus o núcleo central da conspiração golpista e todos foram devidamente condenados: um ex-presidente da República (capitão da reserva), três generais de quatro estrelas e um almirante de esquadra, ex-comandante da Marinha.
Certamente, a maioria dos brasileiros e a comunidade internacional acompanharam todo o processo, observando a lisura e legalidade do julgamento. Houve farta produção de provas — paradoxalmente, muitas delas produzidas pelos próprios réus — devidamente juntadas ao inquérito da Polícia Federal e que embasaram a denúncia do Procurador-Geral da República.
É evidente que os defensores dos golpistas não compartilham dessa visão. Um exemplo é o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que abandonou o mandato e buscou abrigo nos Estados Unidos. O governo Trump, sensível ao discurso antipatriótico do deputado, tentou interferir no julgamento por meio de pressões comerciais e chantagens dirigidas a ministros da Suprema Corte. Mas nenhuma dessas ações produziram efeitos concretos: simplesmente os ministros ignoraram os ultimatos dos imperialistas do norte e conduziram o julgamento de forma transparente, legal, soberana e independente.
Conforme dispõe o Regimento Interno do STF, o julgamento coube à Primeira Turma, composta por cinco ministros. O relator, Alexandre de Moraes, foi o primeiro a votar, seguido por Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e, por fim, Cristiano Zanin, presidente da Turma.
Houve apenas um voto divergente, o do ministro Luiz Fux. Para espanto da comunidade jurídica, Fux levou mais de 12 horas para ler seu voto, que se mostrou contraditório com posições anteriores e soou mais como a peça de um advogado de defesa. Enquanto os réus não negaram a tentativa de golpe, apenas buscaram se desvincular dela, Fux foi além: sustentou a tese de que não houve golpe e questionou a prerrogativa de foro.
A propósito, sobre o voto do ministro, Fux, o jurista Lenio Streck afirmou: “A democracia brasileira continua sob forte ataque, tanto interno quanto externo, e o Supremo enfrenta um momento inédito de tensão. Parte da comunidade jurídica considera a decisão de Fux um erro grave, pois não altera o resultado do julgamento, mas expõe o colegiado a ataques da extrema direita. (...) Nós não estamos conseguindo compreender que escapamos de uma tentativa de golpe de Estado e não de um furto de supermercado. Quando é que nós vamos entender isso?1”
Na mesma linha, o professor e constitucionalista Pedro Estevam Serrano destacou: “Com todo o respeito e admiração que Fux merece como grande jurista que é, a realidade é que, neste momento, ele foi extremamente contraditório. Foi um voto com baixo grau de fundamentação técnica e cheio de contradições. Não só internas, mas também em relação a decisões anteriores do próprio ministro.2”
Já o jurista Fábio Tofic pontuou: “A divergência é saudável, pois enriquece o julgamento. Mas, quanto à prerrogativa de foro, vale lembrar que o Supremo tem a prerrogativa de errar por último. A jurisprudência atual é clara, e Fux destoou não só do colegiado, mas de si mesmo em decisões anteriores.3”.
Por fim, o ministro Gilmar Mendes em pouquíssimas palavras mostra a desconexão e desmonta parte do voto do ministro Fux. Diz o Decano: "O voto do ministro Fux está cheio de incoerência. Se não houve golpe, não deveria ter havido condenação de outros nomes. Condenar o tenente-coronel Mauro Cid e o general Braga Netto parece uma contradição nos próprios termos4".
Agora, tudo indica que virá um novo embate no STF, desta vez sobre a constitucionalidade do Projeto de Anistia em tramitação na Câmara dos Deputados, com reais chances de aprovação. Aqui vale alertar que a anistia não serve para pacificar a sociedade, ao contrário, essa impunidade enfraquece a democracia e fortalece e encoraja golpistas para novas aventuras de rupturas institucionais. Mas, não satifeitos com esse Projeto, a direita e a extrema-direita se articulam para aprovar a PEC da "Bandidagem" e o mais inusitado foi o fato do líder do governo, deputado Odair Cunha e mais 9 deputados do PT terem votado favoráveis ao Projeto. Essa PEC nada mais é do que um instrumento que dificulta que parlamentares sejam investigados pelo STF sem a aprovação do Plenária da Câmara dos Deputados.
Espermaos que o Senado Federal rejeite essa excrescência!
Evidente que tudo isso faz parte de um arcabouço de impunidade para proteger parlamentares crimosos e a tentativa de livrar da condenação essa organização crimonoso formada por militares e civis já punidos por atentarem contra a democracia.
De tudo isso e mesmo ciente da importante vitória da democracia - neste caso com um atraso de 21 anos - o momento exige cautela e firmeza, não se pode baixar a guarda, é imperioso que as massas ocupem as ruas para frear a sanha golpista do Congresso, defender a democracia, exigir a prisão dos conenados pelo STF e repudiar qualquer tentativa de anistia. Não podemos perder de vista a célebre e sempre atual frase do dramaturgo alemão Bertolt Brecht: “A cadela do fascismo está sempre no cio.”
1Fonte: https://www.brasil247.com/entrevistas/quando-entenderao-que-escapamos-de-um-golpe-nao-de-um-furto-de-supermercado-questiona-lenio-streck
2Fonte:https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2025-09/fux-foi-contraditorio-e-seletivo-nas-provas-do-golpe-dizem-juristas
3Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/juristas-discutem-o-peso-da-divergencia-de-fux-na-condenacao-de-bolsonaro/
4-Fonte:https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/09/15/gilmar-aponta-incoerencia-em-voto-de-fux-afirma-confiar-que-congresso-barre-anistia.ghtml







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