segunda-feira, 16 de março de 2020
COVID-19 E BOZO-22
O mundo foi sacudido com a notícia da propagação do vírus Covid-19, mais conhecido como “Coronavírus”. Dia 11 de março a Organização Mundial de Saúde – OMS, declarou que devido a rápida expansão do Coronaviíus pelo mundo já configura que estamos vivendo uma pandemia.
Estamos acompanhando por todos os jornais do mundo a cobertura da tragédia que muitos países estão enfrentando com o “Coronavírus”, especialmente, a China, a Itália e a Espanha, aonde milhares de cidadãos vieram a óbitos e outros milhares estão infectados com o tal vírus. Não menos noticiado é também o grande esforço dos renomados cientistas na busca de uma solução rápida para tentar debelar ou ao menos amenizar os efeitos deste vírus na vida dos seres humanos.
Aqui em terras tupiniquins, como não poderia ser diferente, o “Coronavírus” já deu o ar de sua graça e já são contabilizados centenas de pessoas contaminadas e com projeções destes números saltarem para milhares em pouco tempo.
O Ministério da Saúde, a despeito da ignorância do presidente Bolsonaro, vem trabalhando a finco para minimizar os efeitos do vírus no Brasil. A situação é tão dramática que por ironia do destino, até médicos Cubanos podem ser contratados para trabalhar nesta Força Tarefa contra o Covid-19. Mas, o grande adversário do Ministério da Saúde, neste momento, por mais paradoxal que pareça, é o presidente Bolsonaro e parte de seus seguidores, especialmente, a ala religiosa fundamentalista.
No meio a todo esse caos o presidente Bolsonaro em entrevista em Miami disse aos empresários que “...a questão do coronavírus, não é isso tudo que a grande mídia propaga1”. Não satisfeito com a bobagem dita e já sabedor dos casos do “Coronavírus” no Brasil o presidente, mais uma vez, de forma irresponsável, disse: A questão do “coronavírus no meu entender, está sendo superdimensionado. Talvez está sendo potencializado por questões econômicas”. E para finalizar o seu rol de banalidades e irresponsabilidades, Bolsonaro instigou as pessoas a participarem das manifestações do dia 15 de Março onde milhares de pessoas se reuniram em uma ato antidemocrático e golpista. Não satisfeito com essa convocação, Bolsonaro numa atitude temerária para sua saúde e dos demais cidadãos, vai ao encontro de várias pessoas em Brasília e toca em suas mãos, tira fotos e conversa com os bolsomínios de plantão como não existisse o “Coronavírus” no Brasil ou que não houvesse nenhum perigo de contágio. Um gesto irresponsável, criminoso e típico de um lunático, demente e megalomaníaco.
E parece que a bestialidade e a cegueira são a tônica dos bolsominios. Um dos gurus de Bolsonaro, o religioso fundamentalista Edir Macedo nesta mesma linha de ignorância, imbecilidade e irresponsabilidade saiu com essas pérolas sobre o “Coronavírus”: “As pessoas estão apavoradas por algo que verdadeiramente não condiz com a realidade que a mídia tem jogado no ar com respeito ao coronavírus. Por trás dessa campanha toda do coronavírus existe um interesse econômico...Continuando a sua asneira, agora, porém, com um lado “teológico” o dito bispo disse que tudo isso é uma “tática de Satanás que trabalha com medo, com o pavor, com a dúvida. Satanás apavora as pessoas. E quando as pessoas ficam apavoradas, ficam com medo ou com dúvida, as pessoas ficam fracas, débeis e suscetíveis. Qualquer ventinho que tiver é uma pneumonia para elas3”.
Com relação a esses comentários, até a mídia golpista e responsável pela eleição de Bolsonaro está fazendo a “mea-culpa" e reconhecendo a incapacidade administrativa e mental do presidente. O Editorial do dia 15/03/2020 do jornal Estadão corrobora essa nossa afirmativa. Diz o texto: “..A crise do coronavírus é concreta, não uma 'fantasia' criada pela 'grande mídia', como disse o presidente Jair Bolsonaro. Preocupa sobremaneira que o governo brasileiro, a julgar pelas declarações inconsequentes do presidente, esteja propenso a considerar a pandemia como sendo apenas uma 'pequena crise'. Isso é 'brincar com fogo', como comentou o biólogo Fernando Reinach em sua coluna no Estado..é assim que Bolsonaro encara crises verdadeiras: menospreza seus riscos e as considera criações da imprensa". "Infelizmente, esse tem sido o padrão de comportamento do presidente Bolsonaro ante os inúmeros desafios que se lhe apresentam desde que tomou posse, e nada indica que será diferente até o final do mandato, especialmente à medida que fica mais clara a sua incapacidade de governar, qualquer que sejam as circunstâncias2".
Outro que faz a “mea culpa” é o jurista Miguel Reale Júnior um dos signatários da peça inicial que deu início ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff e por conseguinte a eleição de Bolsonaro. Em entrevista ao jornal Estadão sobre a atitude de Bolsonaro na manifestação do dia 15/03/2020, o jurista Reale Júnior disse: "Seria o caso de submetê-lo [Bolsonaro] a uma junta médica para saber onde o está o juízo dele. O Ministério Público pode requerer um exame de sanidade mental para o exercício da profissão. Bolsonaro também está sujeito a medidas administrativas e eventualmente criminais. Assumir o risco de expor pessoas a contágio é crime4"
Realmente o mundo está diante de uma grave crise de saúde pública, mas, o Brasil, além da luta que tem que travar contra a propagação do Covid-19 (Coronavírus), tem uma missão tão ou mais importante: debelar o vírus Bozo-22 antes que ele leve toda a nação brasileira para o caos profundo e a bancarrota total. Fora Bolsonaro. Eleições gerais já!
quinta-feira, 12 de março de 2020
O CRIMINOSO BLOQUEIO ECONÔMICO DOS EUA A CUBA
Reproduzimos abaixo o excelente texto do brilhante Escritor Frei Beto
publicado no Site “Correio da Cidadania” sobre o criminoso bloqueio econômico dos
EUA a Cuba.
Estive três vezes em Cuba neste início do ano, a
serviço da FAO. O país está seriamente afetado pelo bloqueio usamericano,
agravado pela política agressiva de Trump. Faltam gás de cozinha e
combustível para veículos. Os navios mercantes são ameaçados de sanções
caso aportem em Cuba para descarregar seus containers. Todos os voos dos
EUA à ilha estão suspensos por ordem da Casa Branca, exceto os que pousam em
Havana.
Apesar de tudo, Cuba resiste. A população tem consciência de que o governo tudo faz para contornar as dificuldades, e que a culpa das carências é do bloqueio, que já dura 59 anos.
Em janeiro, participei do Cuba Sabe, evento internacional gastronômico que reuniu chefs e produtores de alimentos, com destaque para as culinárias cubana e italiana. Em início de fevereiro estive do seminário promovido pelo ministério da Agricultura daquele país e a FAO sobre soberania alimentar e educação nutricional. Hoje, Cuba importa 60% dos alimentos que consome, a um custo de US$ 2 bilhões/ano.
Participei ainda da Feira do Livro, dedicada este ano à literatura vietnamita, que funcionou a todo vapor. E do 12º Congresso Internacional de Educação Superior, que reuniu, em Havana, representantes de 45 países para debaterem a Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Hoje, para obter divisas, Cuba depende da remessa de dinheiro feita por cubanos que vivem fora do país (cerca de US$ 1 bilhão/ano); dos contratos obtidos com o envio de médicos e professores a mais de 100 países; do turismo, que chegou a quase 5 milhões de visitantes/ano na época de Obama, e agora sofre redução (o que se reflete na produção de bens e serviços); e da exportação de produtos como vacinas, charutos e rum.
Em dezembro de 2019, Diaz-Canel, presidente do país, resumiu o garrote que tenta estrangular Cuba: “No 61º aniversário da Revolução, atiraram em nós para matar e, no entanto, estamos vivos”.
Os EUA nunca se conformaram de não ter pleno domínio
sobre a ilha, como acontece a Porto Rico. Por isso, violam o direito internacional
com declarado intuito genocida, como disse, em de abril de 1960, Lester D.
Mallory, do Departamento de Estado: “A maioria da população apoia
Castro. O único modo previsível de tirar-lhe apoio interno é através do desencanto
e da insatisfação provenientes do mal-estar econômico e das dificuldades
materiais. Há que empregar rapidamente todos os meios possíveis para debilitar
a vida econômica de Cuba, de modo a provocar fome, desespero e a queda do
governo”.
Os prejuízos causados pelo bloqueio, nos últimos 60 anos, somam US$ 138,843 bilhões. De abril de 2018 a março de 2019, houve perdas de US$ 4 bilhões, uma média de US$ 12 milhões/dia. Só em 2019, a Casa Branca adotou, contra a ilha, 85 medidas agressivas.
Ao deixar de receber por suas exportações, Cuba perdeu US$ 2,340 bilhões em um ano. Produtos de alta qualidade e reconhecida eficácia, como charutos e Heberprot-P (para regenerar a pele de diabéticos e evitar a amputação da parte afetada) estão proibidos de entrarem no mercado dos EUA. E este país impede que os demais exportem para Cuba qualquer produto que contenha 10% ou mais de componentes de origem estadunidense, como matérias-primas, tecnologia, software etc. Isso se reflete em setores básicos como alimentação, medicamentos e transporte.
O bloqueio financeiro impede Cuba de obter financiamento externo para adquirir insumos e matérias-primas. Um cubano que padece de descompasso cardíaco grave não pode dispor de equipamento de apoio ventricular, o que lhe permitiria prolongar a vida até o transplante. Os EUA também dificultam o acesso à internet ao encarecer a conexão e condicionar o acesso a plataformas e tecnologias.
Na ONU, dos 193 países membros, 190 repudiaram o bloqueio em 2019, exceto EUA, Israel e, agora, Brasil. No entanto, quem haverá de punir Tio Sam? Mas ele aprendeu, ao ser derrotado pelos vietnamitas, que é possível derrubar governos, jamais um povo unido e decidido como os cubanos.
ESTARIA O PROCURADOR DALLAGNOL A SERVIÇO DO FBI..?
Reproduzimos abaixo uma grande reportagem do Site “Publica” cuja
matéria comprova, uma vez mais, os ilegais "modus operandi" da chamada Força
Tarefa de Curitiba na Operação Lava-jato. Uma bomba!
Vaza Jato volta com tudo e mostra que Lava Jato escondeu cooperação ilegal com Estados Unidos
Vaza Jato volta com tudo e mostra que Lava Jato escondeu cooperação ilegal com Estados Unidos
Pública - No dia 5 de outubro de 2015, Deltan
Dallagnol, procurador-chefe da força-tarefa da Lava Jato, mal dormiu; chegou de
uma viagem e foi direto para a sede do Ministério Público Federal (MPF) no
centro de Curitiba, onde trabalhou até depois da meia-noite. No dia seguinte,
acordou às 7 da manhã e correu de volta para o escritório. Ele já havia avisado
a diversos interlocutores que aquela seria uma semana cheia e não poderia
atender a nenhuma demanda extra.
Não era
para menos. Naquela terça-feira, uma delegação de pelo menos 17 americanos
apareceu na capital paranaense para conversar com membros do MPF e advogados de
empresários que estavam sob investigação no Brasil. Entre eles estavam
procuradores americanos ligados ao Departamento de Justiça (DOJ, na sigla em inglês)
e agentes do FBI, o serviço de investigações subordinado a ele. Todas as
tratativas ocorreram na sede do MPF em Curitiba. Em quatro dias intensos de
trabalho, receberam explicações detalhadas sobre delatores como Alberto Youssef
e Nestor Cerveró e mantiveram reuniões com advogados de 16 delatores que haviam
assinado acordos entre o final de 2014 e meados de 2015 em troca de prisão
domiciliar, incluindo doleiros e ex-diretores da Petrobras.
Mas nem
tudo foram flores para a equipe de Deltan Dallagnol. No final do dia 6 de
outubro, às 23h16, ele foi chamado ao Telegram pelo diretor da Secretaria de
Cooperação Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da República (PGR),
Vladimir Aras: “Delta, MSG DO MJ”.
A mensagem
era grave. O Ministério da Justiça acabara de tomar conhecimento da visita dos
americanos pelo Itamaraty – quando eles já estavam em Curitiba.
Segundo um
acordo bilateral, atos de colaboração em matéria judicial entre Brasil e
Estados Unidos – tais como pedir evidências como registros bancários, realizar
buscas e apreensões, entrevistar suspeitos ou réus e pedir extradições –
normalmente são feitos por meio de um pedido formal de colaboração conhecido
como MLAT, que estipula que o Ministério da Justiça deve ser o ponto de contato
com o Departamento de Justiça americano. O procedimento é estabelecido pelo
Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal, tratado bilateral assinado
em 1997.
Naquela
época, o ministério era chefiado pelo ministro José Eduardo Cardozo, sob a
presidência de Dilma Rousseff (PT).
A mediação
é feita pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica
Internacional do Ministério da Justiça, o DRCI, então chefiado pelo delegado da
Polícia Federal (PF) Ricardo Saadi. Era dele a interpelação que dizia que o
governo não fora informado da visita dos procuradores e agentes americanos. No
final, o encontro ocorreu à revelia do Executivo, em tratativas diretas entre
os americanos e os procuradores de Curitiba.
O email
enviado por Saadi dizia o seguinte: “Fomos informados hoje pelo Ministério de
Relações Exteriores (MRE) sobre possível vinda de autoridades americanas para o
Brasil para conversar com autoridades brasileiras e/ou realizar investigações
no âmbito da Operação Lava Jato. Considerando que, até a presente data, este
DRCI não tinha qualquer conhecimento dessa possibilidade, pergunto: 1. O MPF
tem conhecimento sobre eventual vinda de autoridades norte-americanas para o
Brasil para conversar com autoridades brasileiras e/ou para praticar atos de
investigação ? 2. Em caso positivo, qual o período que ficariam em solo
nacional ? 3. Foi feito algum contato oficial nesse sentido ? 4. Quais seriam
as atividades desenvolvidas pelos norte-americanos em solo nacional ? 5. O MPF
teria nome/função das autoridades americanas que viriam ? 6. Outras informações
que entender relevantes”.
O recado
foi compartilhado no chat “FTS-MPF”, onde membros da Lava Jato coordenavam
ações com outros procuradores.
Especialistas
ouvidos pela Agência Pública e The Intercept Brasil afirmam que quaisquer
diligências – atos de investigação que vão gerar um processo e provas criminais
– em solo nacional teriam que ser oficializadas por meio de um MLAT. Procurado
pela reportagem, procurador Vladimir Aras respondeu, por nota, que “as reuniões
prévias e o intercâmbio de informações no curso da investigação compreendem a
etapa chamada ‘pré-MLAT’. O MP e a Polícia não estão obrigados a revelar ou a
reportar esses contatos a qualquer autoridade do Poder Executivo”.
Mas os
diálogos demonstram que, como a cooperação internacional não é regulamentada
por lei nacional que estabeleça procedimentos padrões, os membros da Lava Jato
exploraram zonas cinzentas que permitiram aos americanos avançar suas
investigações, escondendo esse fato do governo federal – em especial, durante a
época em que Dilma Rousseff ainda era presidente. Os contatos geraram
questionamentos dentro da PGR e são ainda mais sensíveis por terem como alvo a
empresa de economia mista Petrobras.
Em um chat
de 13 de fevereiro de 2015, Deltan Dallagnol demonstra desconfiança em relação
ao DRCI – e ao governo Dilma.
Questionado
por Vladimir Aras sobre se estaria “tudo tranquilo” com o delegado federal
Isalino Antonio Giacomet Junior, que era assessor do DRCI, Dallagnol responde:
“Tranquilo, obrigado, embora eu não goste da ideia do executivo olhando nossos
pedidos e sabendo o que há. Ainda bem que é o Saadi e não o Tuminha lá”, diz,
referindo-se ao ex-delegado Romeu Tuma Júnior.
Em
setembro de 2019, a força-tarefa da Lava Jato afirmou ao site The Intercept
Brasil e ao UOL que “diversas autoridades estrangeiras de variados países
vieram ao Brasil para a realização de diligências investigatórias, algumas
ostensivas, outras sigilosas, conforme interesse dessas autoridades. Sendo um
caso ou outro, todas as missões de autoridades estrangeiras no País são
precedidas de pedido formal de cooperação e de sua autorização”. A primeira
visita americana a Curitiba, porém, ocorreu sem nem mesmo o conhecimento do MJ.
Durante quatro dias, os americanos foram apresentados a advogados de delatores
e já começaram negociações de colaboração com a Justiça dos EUA. Depois, a
força-tarefa orientou os americanos a convencer os colaboradores a ir aos EUA
para depor, a fim de não ficarem sujeitos às limitações da lei brasileira. Se isso
não fosse possível, eles ofereceriam sugestões sobre interpretações “mais
flexíveis” das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). E a força-tarefa
ainda se comprometeu a “pressionar” os investigados a colaborar com os EUA.
Além disso, a agenda da visita não foi divulgada para a imprensa brasileira a
pedido dos americanos, segundos revelam os diálogos.
Procurada
pela Pública, a força-tarefa Lava Jato afirmou, por nota, que “a necessidade de
formalização da diligência ocorre quando ela tem cunho probatório (“diligências
investigatórias”), destinando-se, por exemplo, a colher depoimentos formais que
são enviados via canais oficiais. A informação não engloba, certamente,
contatos e conversas entre autoridades, que podem se dar informalmente, por
telefone ou pessoalmente”. Afirmou também que “Eventuais reuniões com
autoridades alienígenas – e foram dezenas, algumas presenciais e outas virtuais
com diversos países -, não necessitam de qualquer formalização via DRCI, mas
apenas autorização interna dos respectivos órgãos interessados”. O
posicionamento completo da força-tarefa está reproduzido no final desta
reportagem, a pedido da assessoria de imprensa.
Escondendo
os americanos
Só depois
da meia-noite, já no dia 7 de outubro de 2015, Aras recebeu uma resposta de
Deltan Dallagnol. Ele não quis dar detalhes ao MJ, sugerindo a Aras que, em vez
disso, “eles consultem o DOJ, porque eles pediram que mantenhamos
confidencial”. Ou seja: preferiu proteger o relacionamento com os americanos a
dar explicações ao governo brasileiro.
Dallagnol
ainda sugeriu que Aras evitasse entregar o nome dos investigadores americanos:
“Caso Vc entenda que deve abrir, posso te mandar a lista, mas sugiro reflexão,
porque isso pode gerar ruídos com os americanos”. Em resposta, Aras diz que o
ministério sabia da visita porque “algo já tinha saído na imprensa”, mas “o
tempo fechou”. E conclui: “Vou desanuviar”.
Ao mesmo
tempo, do lado americano, o chefe da divisão que cuidava de corrupção
internacional no DOJ, Patrick Stokes, também procurou evitar os holofotes sobre
a visita.
Num
diálogo com o então procurador Marcelo Miller sobre a viagem a Curitiba, ele
disse: “Nós tornamos a investigação pública nos Estados Unidos, então nossa
pessoa de imprensa vai simplesmente confirmar o fato mas não vai comentar sobre
a investigação ou a nossa presença no Brasil. Como eu mencionei, o FBI vai
confirmar sua presença no Brasil mas não vai comentar sobre a razão ou a
investigação”.
Em
resposta, às 9 da manhã, Aras descreve: “O Executivo está “indignado”. E zomba:
“Tem gente com medo de cair na grade americana. Já prevejo viagens
internacionais de fim de ano sendo canceladas”.
Os
diálogos foram reproduzidos com a exata grafia em que foram recebidos pelo The
Intercept Brasil, incluindo erros ortográficos. As mensagens sem nome do autor
são do celular do ex-procurador Marcelo Miller, segundo apurou a reportagem.
A razão da
preocupação é a FCPA – Foreign Corrupt Practices Act, ou Práticas de Corrupção
no Exterior –, uma lei americana que, desde 1988, permite ao DOJ investigar e
punir, nos Estados Unidos, atos de corrupção que envolvam autoridades
estrangeiras praticados por empresas e pessoas estrangeiras, mesmo que não
tenham ocorrido em solo americano – basta que tenha havido transferência de
dinheiro por algum banco americano, que se vendam ações de empresas envolvidas
na bolsa nos EUA, ou até mesmo que a propina tenha sido paga em dólares.
Com base
nessa lei, a divisão de FCPA do DOJ – a mesma que entre 2014 e 2016 foi
chefiada por Stokes – investigou e puniu com multas bilionárias empresas
brasileiras alvos da Lava Jato, entre elas a Petrobras e a Odebrecht.
Para
evitar publicidade da visita do DOJ em outubro de 2015, Dallagnol mandou a
assessoria de imprensa do MPF seguir a orientação de sigilo dos americanos,
conforme revela o diálogo abaixo.
“Eles
podem usar essa info contra nos pelo tamanho da delegação”, escreveu Dallagnol.
No dia 7
de outubro de 2015, o debate sobre como deveriam responder ao Ministério da
Justiça continuou às 8 da noite. Lendo um rascunho de email proposto por Aras,
Dallagnol pede mais uma vez que se escondam do governo os nomes dos americanos
que estavam no Brasil. “Eu tiraria a lista anexa e diria para consultarem os
americanos, para evitar ruídos e porque me parece uma ‘cobrança indevida’, mas
Vc que sabe. Eles podem também usar essa info contra nos pelo tamanho da
delegação. Não é suficiente informar os órgãos de origem? Isso é bom pq não
inclui SEC”. Aras argumenta que não vê problema em enviar os nomes, mas acaba
cedendo ao procurador.
No mesmo
email, enviado para o então chefe do DRCI, eles decidem amenizar o conteúdo da
visita e dizer que ela se limita a “reuniões de trabalho”, como “apresentação
de linhas investigativas adotadas pelo MPF e pela PF e pelos norte-americanos
no caso Lava Jato”, e não “diligências de investigação no Brasil, o que seria
irregular”.
Documentos
oficiais do Itamaraty obtidos pelo The Intercept contradizem a versão defendida
por Dallagnol na resposta ao Ministério da Justiça. Segundo esses documentos o
DOJ pediu vistos para pelo menos dois de seus procuradores – Derek Ettinger e
Lorinda Laryea – detalhando que eles planejavam viajar a Curitiba “para
reuniões com autoridades brasileiras a respeito da investigação da Petrobras” e
com advogados dos delatores da Lava Jato. “O objetivo das reuniões é levantar
evidências adicionais sobre o caso e conversar com os advogados sobre a
cooperação de seus clientes com a investigação em curso nos EUA”.
Então
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo afirma que foi surpreendido pela
informação da presença americana em Curitiba. “Eu fui avisado pela PF de que
havia uma equipe norte-americana em Curitiba estabelecendo um diálogo com
autoridades, e a PF me perguntou se isso havia sido autorizado por nós. Eu não
tinha a menor ciência disso.” A seguir, o ministro procurou o Itamaraty e o
então procurador-geral da República Rodrigo Janot, perguntando se ele tinha
ciência disso. “Ele disse que não tinha, ficou de ver do que se tratava… Ele me
retornou dizendo que era uma atividade exclusivamente não funcional. Era uma
situação de contatos fora de qualquer situação oficial, que tinha alguma
finalidade acadêmica”, relembra. “Eu voltei a falar com a PF, a PF falou:
‘Olha, tá parecendo um pouco nebulosa essa atuação’. Nós fizemos uma
interpelação para saber o que tava acontecendo, mas eu nunca tive uma resposta
conclusiva sobre isso.”
“Pela
legislação, quem representa a autoridade brasileira para fins de cooperação
internacional é o MJ. E nós temos exatamente para isso um departamento, que é o
DRCI”, detalha o ex-ministro, que afirma que já havia alertado a PGR sobre
documentos que haviam sido trazidos ilegalmente da Suíça por membros da Lava
Jato.
Apresentando
os delatores para o DOJ
A
delegação, liderada por Stokes, incluía alguns dos procuradores que se
tornariam estrelas da luta anticorrupção internacional nos Estados Unidos.
O próprio
Stokes deixou a chefia da seção de FCPA, no Departamento de Justiça, em 2016,
para se tornar advogado de defesa de empresas que são investigadas pela mesma
divisão que ele comandava. Hoje, é sócio no rico escritório Gibson, Dunn &
Crutcher’s – que atende a Petrobras nos Estados Unidos – uma posição cujo
salário chegou a R$ 3,2 milhões em 2017.
Além dele,
estavam presentes dois procuradores-chave nos casos da Petrobras e Odebrecht,
Christopher Cestaro e Lorinda Laryea. Ambos continuam atuando na divisão de
FCPA do DOJ. Em 2017, Cestaro foi nomeado chefe-assistente da divisão e, em
julho do ano passado, tornou-se o chefe de FCPA, comandando todas as
investigações de corrupção internacional contra empresas americanas e
estrangeiras.
Do lado do
FBI, George “Ren” McEachern liderou até dezembro de 2017 a Unidade de Corrupção
Internacional do FBI em Washington, com mais de 40 agentes, supervisionando
todas as investigações de corrupção ligadas à Lava Jato. A agente Leslie
Backschies, que também esteve na comitiva, era supervisora da Divisão de
Operações Internacionais do FBI no continente e acompanhou de perto todas as
investigações no Brasil. Ela atualmente ocupa o antigo cargo de “Ren” e
supervisiona os três esquadrões do FBI dedicados a investigar corrupção pelo
mundo afora.
Na
terça-feira, dia 6, Dallagnol recebeu os agentes americanos com uma
apresentação geral sobre as investigações, que durou uma hora.
A seguir e
ao longo da quarta-feira, cada procurador fez uma exposição sobre cada um de
seus investigados. Todos já haviam assinado acordos de delação premiada com a
força-tarefa – a maioria após ter passado meses na prisão em Curitiba.
O
procurador Paulo Galvão detalhou o caso de Alberto Youssef, talvez o mais
importante colaborador da Lava Jato, cuja delação premiada fora homologada em
dezembro de 2014. Testemunha-chave na operação, o doleiro já era conhecido por
esquemas de corrupção desde 2002, quando atuou no caso Banestado. À Lava Jato,
admitiu ter participado, por exemplo, da lavagem e distribuição de dinheiro
desviado da Refinaria Abreu e Lima a políticos do PP, PMDB e PT. Sua delação
levou a diversas operações da PF e sua pena chegou ao total de 122 anos de
prisão, sendo reduzida a três anos pela delação premiada. “A colaboração dele
[Youssef] foi estruturante. Foi a espinha dorsal”, declarou seu advogado ao
UOL, na época. Desde o mês anterior, circulavam reportagens dizendo que Youssef
estava negociando uma delação com os americanos.
A seguir,
Galvão detalhou a situação do primeiro delator da Lava Jato, o ex-diretor de
abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, cujo acordo havia sido
homologado em 30 de setembro de 2014, após seis meses de prisão. O procurador
explicou também os detalhes da investigação sobre Augusto Mendonça Neto, dono
da empresa de construção Toyo Setal e primeiro empresário a se tornar delator.
Os
procuradores Roberson Pozzobon e Antonio Carlos Welter fizeram apresentações
sobre o passado de Pedro Barusco, ex-gerente de serviços na Petrobras que
assinara acordo de delação em novembro do ano anterior.
Outros
delatores que tiveram seus casos detalhados aos americanos foram Hamylton
Padilha, lobista da Petrobras que atuava na área de aluguel de sondas para
perfuração de poços; Ricardo Pessoa, ex-presidente da Construtora ETC
Engenharia; e Dalton Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa.
O programa
daquele dia previa, ainda, discussões sobre “quaisquer” negociações em
andamento com possíveis colaboradores.
Depois de
ser “brifada” sobre vários alvos da Lava Jato, a delegação americana passou
dois dias negociando com advogados de delatores-chave. Cada um deles teve meia
hora para apresentar seus casos e conversar sobre os termos da colaboração com
as autoridades americanas.
Muitos
desses contatos foram bem-sucedidos. No ano seguinte, uma nova delegação voltou
a Curitiba e ao Rio de Janeiro – dessa vez com um MLAT assinado – para ouvir
cinco alvos da Lava Jato. Outros delatores negociariam acordos para depor
diretamente nos EUA.
“Devemos
cumprir pedidos passivos sempre que possível, mas sem cair em armadilhas”
Em 9 de
outubro, dia em que a missão do DOJ deixou Curitiba, Aras, que estava em férias
na Alemanha, mudou o tom da conversa com Dallagnol, mostrando-se muito mais
preocupado com as investigações conduzidas em solo brasileiro. Isso porque,
segundo Aras, os procuradores do DOJ poderiam usar as informações contra
cidadãos ou empresas brasileiras.
A
preocupação demonstra como o chefe da Lava Jato em Curitiba explorou uma zona
cinzenta, fazendo soar alarmes na própria PGR.
Em uma
longa mensagem às 20h56, ele diz: “Delta, como já conversamos, essa
investigação dos americanos realmente me preocupa. Fiquei tranquilo quando vc
garantiu que esse grupo de americanos não fez investigações em Curitiba quando
esteve aí. Você sabe que eles têm poucas limitações para uso de provas lá.
Mesmo as obtendo de maneira menos formal no exterior, eles podem usá-las válida
e te em alguns casos. Daí o meu receio inicial, já que o MPF e a SCI não podem
permitir isso sob pena de gerar decisões contrárias ao auxílio direto e à
autonomia do MPF nas medidas de cooperação internacional passiva e ativa. Como
te disse na segunda, o MRE mencionou até a possibilidade de ‘abalo nas relações
bilaterais’”, escreveu.
“Claro que
devemos cumprir pedidos passivos sempre que possível, mas sem cair em
armadilhas”, prossegue, pedindo mais uma vez que o assunto seja coordenado com
ele para evitar “baixas de guerra”: “Vamos tocando esse assunto de forma
coordenada: SCI/FT/GT. Obrigado pelos informes. Manterei vc também ciente. Que
todos sejam responsabilizados pelo que fizeram, de preferência sem ‘casualties
of war’. Abs.”
Força-tarefa
sugeriu a americanos meios “mais flexíveis” de questionar brasileiros no Brasil
e nos EUA.
Na semana
seguinte à missão em Curitiba, no dia 13 de outubro de 2015, os membros da
força-tarefa da Lava Jato seguiam satisfeitos com a visita dos americanos, e o
procurador Orlando Martello combinava com Dallagnol um email de agradecimento.
Os americanos tinham pressa: queriam tomar depoimentos de delatores brasileiros
já em novembro de 2015.
O rascunho
do email que seria mandado para Stokes foi enviado a Dallagnol às 11:47:36.
Martello brinca que pode ameaçar os investigados brasileiros de entregá-los aos
americanos. “Foi muito interessante e útil para nós trabalhar com vocês e sua
equipe na semana passada. Pudemos entender melhor os procedimentos nos EUA,
assim como aprender sobre sua expertise em acordos. Com esse conhecimento,
agora nós temos mais uma maneira de convencer empresas e indivíduos a revelar
fatos: ameaçar informar ‘as autoridades Americanas’ sobre corrupção e delitos
internacionais… (risos)”, escreveu Martello, em inglês.
Em tom
mais sério, o procurador explica no email que há “dificuldades” e “questões
legais” na tomada de depoimentos por uma autoridade estrangeira no Brasil. O
maior empecilho seria um entendimento do STF de que todas as diligências no
Brasil devem ser presididas por autoridades brasileiras; assim, os americanos
poderiam apenas enviar perguntas a serem feitas por procuradores brasileiros.
Mas os integrantes da força-tarefa tinham outras sugestões para evitar isso.
“Vamos
diretamente ao ponto. Para as entrevistas que você e sua equipe planejaram
conduzir aqui no Brasil em novembro, elas terão que ser conduzidas por
autoridades brasileiras (por procuradores federais ou pela polícia federal). Eu
não tinha ciência deste fato, mas Vladimir Aras me lembrou sobre esse
entendimento da nossa Corte Suprema. Isso significa que as autoridades
brasileiras têm que ‘presidir’, estar a cargo, para conduzir as entrevistas. As
autoridades dos EUA podem acompanhar todas as entrevistas e podem fazer
perguntas através das autoridades brasileiras. Isso pode ser feito em inglês
(se o réus/colaborador e o procurador falarem inglês) ou em português com a
ajuda de um tradutor. Nessas entrevistas, as autoridades brasileiras não
precisam tomar notas ou registrar o que dizem os réus, mas no final das
entrevistas nós anotamos um pequeno resumo do que aconteceu durante as
entrevistas (um relatório sobre o ato e não sobre o conteúdo das entrevistas).
Em paralelo, os agentes do FBI e quaisquer outras autoridades dos EUA podem
tomar notas livremente”. Ele conclui: “Esse procedimento pode tomar muito
tempo!”.
A seguir,
Martello detalha quatro opções para conduzir as entrevistas de maneiras “mais
flexíveis”. Primeiro, eles poderiam ouvir os colaboradores da Lava Jato nos
Estados Unidos – o que é, para ele (e para Stokes), a melhor ideia, embora
parte deles pudesse não aceitar ir voluntariamente para os EUA. E então sugere:
“Nós podemos pressioná-los um pouco para ir para os EUA, em especial aqueles
que não têm problemas financeiros, dizendo que essa é uma boa oportunidade,
porque, embora seja provável que autoridades dos EUA venham para o Brasil para
conduzir as entrevistas, as coisas podem mudar no futuro”. Assim seria possível
evitar as limitações impostas pela decisão do STF e novas decisões que poderiam
se seguir.
Ele
prossegue: “Então podemos sugerir que é melhor garantir a imunidade deles o
mais rápido possível”.
A segunda
opção seria fazer as entrevistas no Brasil, conduzidas pelos procuradores
brasileiros, e “permitir perguntas diretas pelas autoridades americanas”.
“Assim, as autoridades brasileiras conduziriam/presidiriam o procedimento, mas
nós o tornaríamos mais flexível”, complementou.
Martello,
porém, anota: “Eu pessoalmente não acho que esta é a melhor opção porque haverá
alguns advogados, como os da Odebrecht, que vão ficar sabendo deste
procedimento (advogados falam uns com os outros, especialmente neste caso!) e
vão reclamar”.
A terceira
opção seria fazer as oitivas por videoconferência – desse modo, tecnicamente a
sessão seria conduzida nos EUA e os americanos poderiam fazer as perguntas e
nenhuma lei seria ferida. A opção permitiria que os depoentes permanecessem em
solo brasileiro, mas fossem questionados diretamente pelas autoridades
estrangeiras.
Há, ainda,
uma quarta opção, sugerida por Stokes, que Martello não recomenda: realizar as
entrevistas na embaixada americana, portanto em solo americano. “Eu tenho medo
que a Corte Suprema Brasileira possa entender esse procedimento como uma
maneira de contornar sua decisão e decidir contra nós.”
O rascunho
do email entusiasmou o chefe da Lava Jato: “Ta tão lindo que se eu tivesse ai
te dava umas 8 lambidas kkkkk”, escreveu Dallagnol, ao que Martello retrucou:
“Da próxima vez faço pior então”.
De fato, a
recomendação da Lava Jato foi seguida à risca pelos americanos. Pouco depois,
os procuradores do DOJ já estavam tratando diretamente com advogados dos
empresários brasileiros a sua ida para os EUA.
“EUA estão
com faca e queijo na mão”
A
possibilidade de os delatores colaborarem com os americanos a partir do Brasil
foi assunto de diversas trocas de mensagem entre Aras e membros da
força-tarefa. Nelas, se nota a constante preocupação do ex-diretor da SCI e uma
tensão com Dallagnol.
Em 30 de
novembro de 2015, às 21:09:52, Dallagnol avisa a Aras que os americanos já
“estão ouvindo colaboradores”. Aras reage com surpresa e Deltan responde: “Não
temos controle sobre as oitivas porque são uns 10 colaboradores que já estão em
tratativas de acordos, ou acordos feitos. EUA estão com faca e queijo na mão
para ouvirem”.
Aras
pergunta se os colaboradores estão sendo ouvidos nos Estados Unidos. “Onde
estão ouvindo? Informaram ao DRCI?” Dallagnol responde que, por serem nos EUA,
as oitivas ocorreriam “à revelia do DRCI”. E prossegue, referindo-se à visita
dos americanos no mês anterior: “Nós estamos com pressa, porque o DOJ já veio e
teve encontro formal com os advogados dos colaboradores, e a partir daí os
advogados vão resolver a situação dos clientes lá… Isso atende o que os
americanos precisam e não dependerão mais de nós. A partir daí, perderemos
força para negociar divisão do dinheiro que recuperarem. Daí nossa pressa”.
“Mas eles
só conseguirão isso se colaborarmos, não? Eles não têm provas. Ou têm?”,
retruca Vladimir.
Em
resposta, Dallagnol diz que os americanos “conseguem sim” provas, através dos
processos – todos foram publicados online através do sistema eletrônico do
TRF4, cujas senhas de acesso eram e ainda são enviadas todas as semanas para
centenas de jornalistas do país pelas assessorias do MPF e da Justiça Federal
do Paraná.
“Eles
podem pegar e usar tudo que está na web”, argumenta Dallagnol. Aras pergunta:
“Quando eles farão pedido formal de oitivas?”.
“Não
precisam fazer. Ouvirão nos EUA os que estão soltos e podem viajar.”
A resposta
surpreende Aras: “Os advogados concordaram? Eles vão viajar sem
salvo-conduto????? Loucura”.
O assunto
causa alarme na PGR, e Aras vai conversar com o então procurador-geral Rodrigo
Janot, que recebera uma ligação de Deltan. “Estou refletindo sobre uma
posição”, escreve Aras.
“Os
americanos prometeram salvo conduto”, responde Dallagnol.
“Prometer
não adianta. Tem de ser no papel”, retruca Aras.
Em 17 de
dezembro de 2015, Aras reitera seu desgosto com aquele arranjo entre a Justiça
americana e colaboradores da Lava Jato, quando discute com Dallagnol um pedido
dos EUA para uma oitiva com Hamylton Padilha, que se tornara delator em julho
de 2015.
Aras
explica qual seria o caminho legal a ser seguido pelas autoridades americanas.
“O ideal
seria eles pedirem isso via DRCI: – execução pelo MPF (mera notificação) –
transferência voluntária do colaborador aos EUA para depor – emissão de “safe
passage” para o colaborador antes da viagem – tomada do depoimento nos EUA –
retorno do colaborador ao Brasil”. “Safe Passage” seria um salvo-conduto, uma
garantia que os brasileiros não seriam presos ao irem dar depoimento em solo
americano.
Dallagnol
argumenta que o delator em questão não está preso, e Aras explica que isso não
importa: “A pessoa a ser transferida com salvo-conduto não precisa estar presa.
Pode ser vítima, perito, testemunha, acusado/suspeito”.
Dallagnol
admite, então, que a força-tarefa pode ter errado ao não avaliar as consequências
da parceria com os americanos durante a visita secreta a Curitiba. “Quando
estavam aqui, e não tínhamos ainda restrições, mas estávamos operando no
automático, sem conhecimento da dimensão das consequências e pensando em
aplicar o tratado diretamente (o que ainda não está fora de cogitação, estamos
todos refletindo, creio), dissemos que não haveria problema em os
colaboradores, que pudessem, ir aos EUA para prestar as declarações.”
Se de
fato, porém, a ideia de Deltan não era garantir vantagens aos americanos e
driblar o governo brasileiro, já era tarde demais.
Um marco
no relacionamento entre a Lava Jato e o DOJ foi a primeira visita oficial aos
Estados Unidos, em 9 e 10 de fevereiro de 2015, dos procuradores Carlos
Fernando dos Santos Lima, Marcelo Miller e Deltan Dallagnol, que acompanhavam o
então procurador-geral da República Rodrigo Janot e o próprio Aras em visita
cuja existência chegou a ser noticiada na imprensa brasileira.
Eles se
reuniram com o DOJ, representantes da Comissão de Valores Mobiliários (SEC, na
sigla em inglês), da Receita Federal americana (IRS, na sigla em inglês), do
FBI e do Departamento de Segurança Interna (DHS). Foi a partir dessa visita que
os procuradores passaram a discutir a vinda da comitiva a Curitiba.
Aquela
missão tinha três objetivos, segundo um relatório feito pelos procuradores de
Curitiba e compartilhado nos chats: agilizar o intercâmbio de informações nos
casos da Lava Jato, conseguir a prioridade de execução nos pedidos de
cooperação internacional já encaminhados e “criar e manter um ambiente
favorável à colaboração de investigados, buscando-se o compromisso das
autoridades alienígenas na não persecução daqueles que firmaram acordos com o
Ministério Público Federal”. A ideia era conseguir um acordo com o DOJ de que
nenhum dos delatores da Lava Jato seriam investigados nos EUA.
O
relatório conclui: “Desses três objetivos, os dois primeiros foram atingidos. O
terceiro ainda está sendo objeto de análise pelos Estados Unidos, por
necessitar de uma apreciação mais ponderada das evidências, dos acordos e da
sua contribuição para as investigações”.
No final,
todos os sinais indicam que Dallagnol nunca conseguiu essa concessão dos
americanos, o que deixou os delatores à mercê das autoridades americanas,
negociando caso a caso.
De acordo
com advogados de defesa que trabalharam nesses casos, os acordos com o DOJ são
“casuísticos”, ou seja, decididos caso a caso, em negociações individuais.
Advogados relataram casos em que houve a emissão de um salvo-conduto para
viagens aos EUA e outros em que se chegou a um non-prosecution agreement, um
compromisso formal do governo americano de que os delatores não seriam
processados. Porém, em outros casos, nenhuma dessas garantias foi dada pelo
governo americano ainda.
“Não há
nenhum papel nosso concordando, com certeza”
Diante da
hesitação dos procuradores brasileiros, os americanos foram rápidos e, a partir
de dezembro de 2015, já havia delatores viajando para os Estados Unidos a fim
de prestar depoimentos ao DOJ.
As
notícias das viagens de Augusto Mendonça e Júlio Camargo, executivos da Toyo
Setal, empresa que mantinha contratos com a Petrobras, que relataram terem
pagado propina ao PT, causaram nova consternação na PGR, que voltou a pedir
explicações à força-tarefa.
Mais uma
vez, Dallagnol responde a Aras que não tem nenhum controle sobre as negociações
diretas entre a Justiça americana e colaboradores da Lava Jato – mas se esquece
de mencionar que as viagens para os EUA foram uma sugestão do seu grupo.
“Lembro até que Vc tinha sugerido para preferencialmente as oitivas serem via
MLAT, mas preferencialmente, ideia que só veio depois das reuniões deles e, em
função disso, não temos mais controle”, escreve.
Aras
retruca: “Lembro de quase tudo isso, Delta, menos de ter concordado com a prática
de colaboradores receberem alguma espécie de aval do MPF para viajarem aos EUA,
como andam dizendo por aí. O ok seria dado em pedidos formais de MLA, após
pedidos de transferências de pessoas”.
“Pelo que
entendi não há nenhum papel firmado por vcs concordando com tais viagens, ou
há? Esse é o ponto da minha preocupação”, pergunta Aras.
Dallagnol
responde de madrugada, à 1:04:07 do dia 7 de abril. “nenhum papela nosso
concordando, com certeza”. E acrescenta: “O que fizemos foi apresentar e não
nos opormos”.
“Melhor
assim. Joia.” É a resposta de Aras.
Em 2016,
procuradores do DOJ questionaram Cerveró, Costa e Youssef.
Em julho
de 2016, uma nova comitiva do DOJ veio ao Brasil para tomar depoimentos em
Curitiba e no Rio de Janeiro. Dessa vez, a comitiva veio munida de MLAT e
aparentemente seguiu as sugestões da equipe de Dallagnol, evitando
questionamentos no STF.
O documento
com a programação da viagem mostra que participaram da comitiva os advogados
Lance Jasper e Carlos Costa Rodrigues, da SEC, e os procuradores do DOJ Kevin
Gringas, Hector Bladuell, Davis Last, Gustavo Ruiz e, mais uma vez, Christopher
Cestaro, atual chefão de FCPA do governo americano.
Da parte
do FBI, vieram duas intérpretes (Tania Cannon e Elaine Nayob) e dois agentes:
Becky Nguyen e Mark Schweers – ele já acompanhara a comitiva de outubro de
2015.
Entre 13 e
15 de julho, o grupo utilizou a sede da PGR no centro do Rio de Janeiro para
ouvir o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró e o
ex-diretor de abastecimento Paulo Roberto Costa, ao longo de três sessões,
totalizando nove horas de questionamentos a cada um. Quatro meses depois, em
novembro daquele ano, a Folha de S.Paulo noticiou que Costa havia fechado um
acordo para cooperar com o FBI e o DOJ, comprometendo-se a fornecer documentos
e prestar depoimentos e entrevistas sempre que convocado.
Estavam
presentes nas oitivas no Rio de Janeiro o procurador da Lava Jato fluminense
Leonardo Freitas e membros da SEC, além dos advogados dos delatores.
Refinaria
de Pasadena na mira
Entre 14 e
21 de julho de 2016, a agenda dos americanos foi na Procuradoria da República
em Curitiba – e bastante cheia.
Uma
novidade – que não constava nas apresentações iniciais listadas na agenda do
encontro de outubro de 2015 – foi o contato com o ex-funcionário da Petrobras
Agosthilde Mônaco de Carvalho, ex-assessor de Cerveró que atuou na compra da
refinaria de Pasadena, no Texas.
Os agentes
do FBI e do DOJ o questionaram durante seis horas. Ele reconhecera o pagamento
de propina na compra, em novembro do ano anterior, e em depoimento ao Tribunal
de Contas da União foi chamado de “homem bomba”, ao falar sobre a aprovação do
Conselho da Petrobras, presidido à época por Dilma Rousseff.
Na semana
da visita dos americanos, Dilma já estava afastada do cargo de presidente, no
processo de impeachment a que respondia.
Os agentes
americanos questionaram também o doleiro Alberto Youssef durante seis horas,
assim como seu ex-funcionário Rafael Ângulo Lopez.
No último
dia, a comitiva americana reuniu-se durante todo o dia para discutir o caso
Odebrecht com a Lava Jato: Dallagnol, Martello, Galvão, Roberto Pozzobon e
Marcelo Miller, então na PGR. A reunião começou às 10 da manhã e seguiu até as
17 horas, com direito a uma hora de almoço, segundo o documento.
DOJ vai
para cima da Odebrecht
Em
dezembro de 2016, pouco antes do Natal, a Odebrecht, junto com sua subsidiária
Braskem – uma sociedade com a Petrobras –, fez um acordo com o DOJ no qual
ambas concordaram em pagar um mínimo de US$ 3,2 bilhões aos EUA, Suíça e Brasil
– total depois reduzido para US$ 2,6 bilhões – pelas práticas de corrupção
ocorridas fora dos EUA. Na época, foi o maior acordo global de corrupção
internacional. O acordo firmado com os EUA pelas empresas garante que elas têm
que colaborar com as autoridades americanas em quaisquer investigações,
disponibilizando seus funcionários para questionamentos sempre que chamados.
Advogados
de defesa consultados pela reportagem afirmam que houve pelo menos mais duas
delegações do DOJ para ouvir empresários da Odebrecht, na sede do MPF em São
Paulo, nos anos 2017 e 2018.
As oitivas
são precedidas do attorney proffer, uma negociação com advogados que
estabelecem quais os pontos que o DOJ quer ouvir. Um depoimento tomado por um
attorney proffer não isenta o investigado de futuros questionamentos ou
investigações. Geralmente, o que se estabelece é que essas informações não
serão usadas criminalmente contra eles – mas podem ser usadas, por exemplo,
contra outros cidadãos brasileiros.
Houve
também um número não divulgado de viagens de delatores aos EUA, além de
negociações e oitivas por internet – todas essas modalidades foram sugeridas
pela força-tarefa no email vazado.
Especialistas
ouvidos pela reportagem destacaram problemas em cooperar com autoridades
americanas sem passar pelas vias oficiais.
Falando em
tese, o professor Eduardo Pitrez, da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Rio Grande, afirmou que “a cooperação judiciária internacional
sempre esteve vinculada ao topo do Poder Judiciário, ao STF e ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ), ou à diplomacia profissional, porque há elementos
muito sensíveis, como a soberania nacional, interesses e disputas
internacionais e questões de relacionamentos entre Estados que órgãos do
sistema de justiça de menor hierarquia não estão preparados para avaliar”.
“A chamada
‘cooperação direta’ gera uma fragmentação. Com essa fragmentação, qualquer
juiz, qualquer procurador ou promotor pode estabelecer relacionamento
internacional a partir da agenda anticorrupção. A agenda anticorrupção permite,
vamos dizer assim, chegar direto à agenda do governo em questões importantes do
país, como, por exemplo, uma empresa petrolífera ou as capacidades competitivas
das grandes empresas nacionais”, completa.
A
professora de direito penal e econômico na Fundação Getulio Vargas, Heloísa
Estellita, lembra que falta uma legislação nacional que regulamente a
cooperação internacional. “No Brasil, a cooperação internacional não é regulada
por lei e, por isso, há muito abuso.” Ela diz que “o estado de direito
estabelece regras para as autoridades atuarem, porque elas atuam nos limites em
que o povo autoriza sua ação. Fazer cooperação sem base em lei é trair o pacto
democrático”. Ela falou em tese e não analisou os diálogos específicos desta
reportagem.
Procurado
pela reportagem, o então chefe do DRCI, Ricardo Saadi afirmou: “O contato
informal e direto entre as autoridades de diferentes países é permitido e
previsto em convenções internacionais. Para esse tipo de contato, não há a
necessidade de elaboração de pedido baseado no MLAT”. Ele afirmou que seu email
tinha como objetivo “disponibilizar o DRCI para proceder eventual pedido de
cooperação jurídica internacional para obtenção de provas pelas autoridades”. E
disse ainda não se recordar se houve uma resposta formal ao email.
O
procurador da República Vladimir Aras defendeu a legalidade da visita e a não necessidade
de autorização do Ministério da Justiça. “O Ministério Público Federal
esclarece que os tratados de cooperação internacional em matéria penal,
conhecidos por ‘Mutual Legal Assistance Treaties’ (MLAT), não são a única via
disponível para a cooperação internacional de cunho criminal”, escreveu em
nota, mencionando a : “colaboração voluntária” do investigado, cartas
rogatórias e troca de informações policiais. “Ademais, o contato direto entre
membros do Ministério Público de diferentes países é uma boa prática
internacional, recomendada, por exemplo, desde o ano 2000 pelo Conselho da
Europa.”
“As
reuniões prévias e o intercâmbio de informações no curso da investigação
compreendem a etapa chamada ‘pré-MLAT’. O MP e a Polícia não estão obrigados a
revelar ou a reportar esses contatos a qualquer autoridade do Poder Executivo”,
afirmou. “Pretender que todos os contatos com procuradores estrangeiros sejam
intermediados por um só órgão em Brasília seria como submeter o MP a eventuais
vicissitudes do Poder Executivo, o que representaria a perda da autonomia que a
Constituição Federal conferiu à instituição, inclusive para investigar crimes
praticados por altas autoridades republicanas”. Leia a nota completa.
Procurado
pelo The Intercept, o Departamento de Justiça americano afirmou que não iria
comentar a reportagem.
O que diz
o acordo bilateral
O Acordo
de Assistência Judiciária em Matéria Penal com os Estados Unidos lista
situações em que se deve pedir assistência jurídica (MLAT) através de vias
oficiais. Entre elas, a tomada de depoimentos de pessoas, o fornecimento de
documentos, registros e bens, transferência de pessoas sob custódia para
prestar depoimento e execução de pedidos de busca e apreensão, imobilização e
confisco de bens. O artigo 10 prevê justamente o tipo de viagem feita por
delatores da Lava Jato aos Estados Unidos.
O acordo
prevê também que a presença de autoridades do outro país para depoimento ou
produção de prova em seu país, inclusive permitindo que “essas pessoas
apresentem perguntas a serem feitas à pessoa que dará o testemunho ou
apresentará prova”. Mas não estabelece de que forma essas perguntas devem ser
apresentadas ou como o testemunho deve ser tomado.
Prevendo
questões problemáticas à soberania nacional, o artigo 3o permite ainda que um
dos dois países negue um pedido de assistência jurídica se o atendimento
“prejudicar a segurança ou interesses essenciais semelhantes do Estado
Requerido”. Ou seja, o Brasil poderia ter se negado a ajudar a investigação dos
EUA sobre a Petrobras por ser uma empresa estratégica.
Respostas
da Lava-Jato
Procurada
pela Pública, a força-tarefa da Lava Jato respondeu por email pedindo que seu
posicionamento fosse publicado na íntegra. Seguem as perguntas e respostas:
Segundo os
diálogos vazados, o DRCI não aprovou a visita de procuradores americanos e
agentes do FBI a Curitiba entre 6 e 9 de outubro de 2015 em reuniões com
procuradores de Lava Jato e advogados de delatores. Isso não é ilegal, segundo
o acordo bilateral que estabelece que todas as diligências devem ser aprovadas
via um MLAT?
Para o
intercâmbio de informações entre países, antes da formalização de um pedido
formal por meio dos canais oficiais, é altamente recomendável e legal que as
autoridades mantenham contatos informais e diretos. A cooperação informal
significa que, antes da transmissão de um pedido de cooperação, as autoridades
dos países envolvidos devem manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou
presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de intercâmbio de
conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas. Acordos
bilaterais não esgotam as modalidades de cooperação entre países, que podem se
dar, inclusive, com base em reciprocidade.
Em
setembro de 2019, a força-tarefa da Lava Jato afirmou que “diversas autoridades
estrangeiras de variados países vieram ao Brasil para a realização de
diligências investigatórias, algumas ostensivas, outras sigilosas, conforme
interesse dessas autoridades. Sendo um caso ou outro, todas as missões de
autoridades estrangeiras no País são precedidas de pedido formal de cooperação
e de sua autorização”. No entanto, os diálogos revelam que a missão de outubro
de 2015 não foi precedida de pedido formal de cooperação ou de autorização. Por
quê?
Não
recebemos os dados sobre as visitas, já bastante antigas, nem a fonte da
informação referente à força-tarefa. De todo modo, a necessidade de
formalização da diligência ocorre quando ela tem cunho probatório (“diligências
investigatórias”), destinando-se, por exemplo, a colher depoimentos formais que
são enviados via canais oficiais. A informação não engloba, certamente, contatos
e conversas entre autoridades, que podem se dar informalmente, por telefone ou
pessoalmente. Se assim interpretada, a informação enviada entre aspas está
correta. Foi exatamente esse tipo de contato direto que permitiu de modo
exitoso o acesso por autoridades brasileiras a documentos bancários
fundamentais para denúncias e bloqueios de milhões de dólares fruto de
corrupção, desvios e lavagem de dinheiro. Do mesmo modo, o contato entre
autoridades estrangeiras e advogados de colaboradores ou colaboradores é
plenamente legal, podendo se dar por diversas vias.
Um
documento obtido pela reportagem demonstra que os advogados do DOJ vieram a
Curitiba para “levantar evidências” sobre o caso da Petrobras. Isso não a
qualificaria como uma “diligência”? O que a Lava Jato classificaria como uma
viagem “para a realização de diligências investigatórias”?
Diligências
investigatórias constituem a produção de provas como a colheita de depoimentos,
a realização de buscas e apreensões, a obtenção de documentos de natureza sigilosa
ou a obtenção de atos oficiais de Estado. Não tivemos acesso ao suposto
documento mencionado na pergunta, nem para verificar sua fidedignidade.
Tratando-se de supostas tratativas de 2015, na época provavelmente já existiam
pedidos de cooperação brasileiros pendentes de cumprimento no exterior, assim
como o interesse das autoridades brasileiras de que as autoridades estrangeiras
iniciassem investigações sobre empresas estrangeiras que haviam potencialmente
praticados crimes no Brasil e que seriam de difícil alcance pela jurisdição
brasileira, o que depois veio a se concretizar. A referência a “caso Petrobras”
engloba todos os subcasos da Lava Jato e o intercâmbio com as autoridades
norte-americanas, ao longo dos anos, tem se concentrado bastante no tipo de
caso mencionado. Essa cooperação direta entre autoridades é reconhecida como
boa prática internacional pela Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção,
pelo GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), pelo Banco Mundial e pela
AGU (Advocacia-Geral da União), dentre outros organismos.
O DRCI
enviou um questionamento no dia 7 de abril, quando os americanos já estavam no
Brasil, pedindo mais informações. Por que o DRCI não foi informado da presença
da delegação americana?
Eventuais
reuniões com autoridades alienígenas – e foram dezenas, algumas presenciais e
outras virtuais com diversos países -, não necessitam de qualquer formalização
via DRCI, mas apenas autorização interna dos respectivos órgãos interessados.
Somente é necessário um pedido de cooperação para a produção e transmissão de
documentos que serão utilizados no exterior, ou para a realização de outras
diligências de cunho investigatório antes mencionadas. Nesses casos, todas as
missões foram precedidas de pedido formal de cooperação. O intercâmbio de
informações por meio da cooperação informal é, como dito, um procedimento
legítimo e pode ser feito antes, durante e após a formalização de um pedido de
cooperação internacional, e não o substitui.
Segundo
documentos vazados, a Lava Jato pretendia obter do DOJ um compromisso de
não-persecução penal para seus delatores. Isso foi obtido? Em caso negativo,
por que a força-tarefa continuou a cooperar com o governo americano apesar da
ausência deste compromisso?
Foram
feitos todos os ajustes necessários para assegurar a preservação do interesse
público, com o objetivo de que os colaboradores brasileiros tivessem seus
acordos respeitados, como se verificou de fato até hoje.
A Lava
Jato orientou os procuradores americanos a entrevistar seus delatores nos
Estados Unidos? Por quê?
As
autoridades estrangeiras não precisam de autorização brasileira para ouvir,
entrevistar ou fazer acordo premiado com cidadãos brasileiros, colaboradores ou
não, em seu território. Isso é mais verdade ainda no caso de empresas que
fizeram acordos simultâneos em vários países, cujos empregados também buscavam
um acordo de colaboração no exterior. O MPF, no entanto, como várias vezes já
externou a colaboradores e seus advogados, sempre buscou que os acordos
brasileiros fossem respeitados pelas autoridades dos outros países.
O
procurador-chefe da Lava Jato Deltan Dallagnol foi questionado diversas vezes
pelo SCI sobre a ida de brasileiros para os Estados Unidos prestar depoimento
sem MLAT. O procurador apoiou ou aprovou esse expediente formalmente ou
informalmente? Por quê?
Vários
colaboradores procuraram diretamente autoridades estrangeiras – e não apenas os
EUA – para formalizar diretamente acordos de colaboração. Isso foi – e é –
incentivado pelo MPF, pois está dentro do escopo do acordo de colaboração
firmado no Brasil, com vista a aumentar a proteção do colaborador no
estrangeiro. Essa decisão cabe exclusivamente ao colaborador e seu advogado. O
MPF não tem o poder legal de impedir que qualquer investigado procure
autoridades no exterior para colaborar na investigação de crimes; assim, não
tem qualquer ingerência nesses acordos.
Em algum
momento a Lava Jato ou seu diretor evitaram compartilhar com o governo federal
detalhes sobre a cooperação com os procuradores americanos? Por quê?
O governo
federal é um canal para a cooperação e não a autoridade responsável pelo pedido
ou cumprimento da cooperação. Assim, o departamento de cooperação internacional
do governo federal foi acionado sempre que foi necessário. Não há, contudo,
qualquer tipo de dever ou obrigação no sentido de compartilhar toda a
investigação. Aliás, a imprensa divulgou recentemente que a força-tarefa da
Lava Jato no Rio de Janeiro investiga o vazamento de informações de cooperação
internacional pelo governo federal pretérito. Riscos desse tipo recomendam que
informações sobre investigações, especialmente sigilosas, não sejam
compartilhadas com outros órgãos de modo desnecessário.
Fonte:https://apublica.org/2020/03/como-a-lava-jato-escondeu-do-governo-federal-visita-do-fbi-e-procuradores-americanos/
Fonte:https://apublica.org/2020/03/como-a-lava-jato-escondeu-do-governo-federal-visita-do-fbi-e-procuradores-americanos/
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