domingo, 17 de março de 2024

A TEOLOGIA DO DOMÍNIO COMO ARMA DE PODER


Por: Odilon de Mattos Filho

O caráter do Estado laico brasileiro está consagrado desde a Proclamação da República, em 7 de janeiro de 1890, com a edição do Decreto nº 119-A,  alterado, posteriormente, pelo Decreto nº 4496/2002, de autoria de Rui Barbosa, que refletiu um rompimento drástico nas relações entre Estado e religião.

A despeito do que preconiza a Constituição de 1988, essa questão da laicidade do Estado brasileiro ganhou novas e calorosas discussões com o presidente Bolsonaro e esse vil debate quase nos levou a um Estado Confessional que poderia desencadear, para um Estado Teocrático. Essa nossa opinião é baseada na promíscua relação do ex-presidente com Pastores das igrejas Evangélicas, em especial, as pentecostais e neopentecostais, basta ver quem foram os seus ministros de estado, os ministros indicados por ele para Suprema Corte e um dos casos de corrupção do governo, envolvendo o Ministro da Educação, o Pastor, Milton Ribeiro.

Sabe-se que no Brasil, os templos Evangélicos, particularmente os pentecostais e neopentecostais, deram um salto de crescimento nos últimos 30 anos, passando de 17.033 templos em 1990 para 109.560 em 2019, um aumento de 543%. Dados apontam que somente em 2019, foram abertos 6.356 templos, uma média de 17 templos por dia e esse vertiginoso aumento de templos, evidentemente, está relacionado ao aumento do número de fiéis evangélicos, que hoje, segundo o IBGE, somam 32% da população.

Estudos da USP mostram que este boom no número de Templos Evangélicos, está ligado a alguns fatores: o primeiro, paradoxalmente, foi durante o primeiro mandato do presidente Lula, que facilitou a abertura de templos no Brasil ao desobrigar as igrejas de uma série de responsabilidades estatutárias a partir da Lei n° 10.825/2003. Outro fator apontado pelo estudo é “o investimento de igrejas protestantes na compra de horários em canais de televisão para transmissão de cultos. Em regra, as igrejas entenderam que a televisão atrai fiéis, enquanto o templo fideliza”. Um terceiro fator está ligado ao discurso, ou melhor, à pregação de Pastores treinados para propagar a Teologia da Prosperidade, cujo núcleo central é “a comercialização da fé cristã a partir da deturpação dos ensinamentos bíblicos. Como diferencial, defendem ardorosamente o acúmulo de riquezas materiais na terra e buscam arrebanhar o maior número possível de adeptos, uma vez que por “prósperos empreendimentos”, compreende-se a doação aos “ministérios”, “obras” ou igreja1”.

A força das Igrejas Evangélicas como moldadores da personalidade de seus fiéis e a disseminação de suas Doutrinas/Teologias ultrapassam fronteiras e “contaminam“ outras Nações. No livro “Os Demônios Descem do Norte”, o autor Délcio Monteiro de Lima mostra um retrato de grande parte da população estadunidense que serve como parâmetro para entendermos o fenômeno religioso/político que acontece hoje no Brasil. O autor afirma que “os dois terços da população que compõe o multifacetado perfil do protestante dos EUA estão tomados de um misto de excitação patriótica e religiosa com características de uma onda de neo-conservadorismo nunca observada antes dos dois períodos do governo Reagan” e procurando fortalecer essa postura conservadora é sistematicamente “pregada a apologia do cristianismo salvador numa conjuntura ameaçada por ideologias esdrúxulas, precedentes de um mundo ateu e materialista2

Mais recentemente, observa-se o surgimento da nova e perigosa Teologia do Domínio, a qual coloca a Religião Cristã como uma verdade absoluta, e que pode ser a cartada final dos Evangélicos, mais especificamente, os pentecostais e neopentecostais, para dominar o Estado.

Aliás, o Professor da UERJ, João Cezar de Castro Rocha, em entrevista ao Sítio Publica, explica essa Teologia do Domínio, disse o Professor: “Essa teologia foi desenvolvida inicialmente nos Estados Unidos e foi recentemente adotada no Brasil. Ela está na base da doutrina da Igreja da Lagoinha, onde Nikolas Ferreira (PL-MG) professa sua fé. A teologia do domínio está na base de outras igrejas que contaminaram as concepções de Damares Alves e Michelle Bolsonaro. Quando Michelle diz que chegou a hora da libertação, o que ela está dizendo é: chegou a hora do Estado civil subordinar-se à fé, não à espiritualidade, mas à crença deles. Pensando nisso, no nosso país tudo começa a ficar bastante claro e muito preocupante3”.

Fica evidente que não se pode - e aqui um alerta para as forças progressistas do país - menosprezar essa Teologia como força, não apenas religiosa, mas especialmente, como força política. Aliás, o Professor Cezar chama a atenção do livro de Edir Macedo, lançado em 2008, que tem como base teórica Thomas Hobbes e o Antigo Testamento. Edir Macedo, em um trecho do livro, diz que Deus é um estadista, Deus é, sobretudo, um gestor da coisa pública. Na última página do livro, o Bispo esclarece o potencial que tem um Estado adormecido e chama a atenção do leitor para não deixar essa “potencialidade” ser desperdiçada. Sinal mais claro do que isso não existe, mas parece que não foi visto pela esquerda brasileira e seus teóricos de plantão.

O Professor Cezar de Castro mostrou, também nessa entrevista e de forma categórica, a ameaça da Teologia do Domínio como poder político dos evangélicos em busca do apoderamento, de vez, do Poder Central. Diz o brilhante Mestre: “...pela primeira vez na história, os evangélicos elegeram um presidente da República. A diferença de votos evangélicos dados para Jair Messias Bolsonaro e Fernando Haddad é a diferença de votos que o levou à vitória. A primeira vez que isso aconteceu na política brasileira numa eleição presidencial foi em 2002. Ganhou a eleição o presidente Lula, em segundo lugar ficou José Serra, em terceiro lugar, de maneira surpreendente, o Anthony Garotinho, que obteve 10% dos votos em todo o Brasil em 2002. Eram votos majoritariamente evangélicos4”.

A propósito, o Ato da extrema-direita ocorrido no dia 25/02/2024 em São Paulo e organizado pelo Pastor Silas Malafia mostrou a força da extrema-direita, e os discursos do deputado Nikolas Ferreira e de Michelle Bolsonaro mostraram de forma clara os propósitos da Teologia do Domínio e/ou do Sionismo e do Nacionalismo Cristão. Não se pode perder de vista a monstruosa votação do deputado Níkolas Ferreira (PL/MG), que foi forjado na Igreja da Lagoinha em Belo Horizonte, cujo criador foi o Sionista Cristão Márcio Valadão, votação essa que mostra a força, o poderio e a fidelidade religiosa e política dos fiéis evangélicos.

Outro fato que corrobora a força das Igrejas Evangélicas, vem do Congresso Nacional, onde a Bancada da Bíblia está implacando a PEC da imunidade tributária para as Igrejas, projeo este que tem como autor o Deputado/Pastor, Marcelo Crivella, nada mais, nada menos, que sobrinho do Bispo Edir Macedo. Não há duvidas de que essa PEC é um grande presente que vai fortalecer, ainda mais, as finanças das Igrejas, ou seja, mais munição para o "exército" religioso, enquanto isso, a correção da Tabela do IRPF fica para outra oportunidade, ou seja, os interesses dos trabalhadores continua à margem das discussões. 

Não se pode esquecer, também, a grande mobilização dos Pastores nas últimas eleições ds Conselheiros Tutelares. Os Pastores se empenharam para que seus fieis vencessem essas eleições, pois, todos sabem que os Conselheiros trabalham e atendem casos, que na sua maioria envolvem famílias em estado de vulnerabilidade e portanto, abaladas psicologicamente, o que faz dessas linhagens presas fáceis para serem cooptadas para suas Igrejas que precisam fechar seus caixas e a soma e simples: mais fieis  trabalhando, especialmente, nas instituições de estado significa mais Poder, mais fieis em suas igrejas é igual a mais voto e mais dízimos (R$). Aliás, corroborando essa afirmativa o Sítio “El País” aponta que em São Paulo 53% dos Conselheiros Tutelares eleitos são ligados a Igrejas neopentecostais e no Rio de Janeiro este número chega a 65%, a maioria petencentes à Igreja Universal do Brasil.

Por fim, vale destacar mais uma possível jogada dos evangélicos. Caso o ex-juiz “ladrão” Sérgio Moro seja cassado, já estão costurando para que Michelle Bolsonaro concorra a essa vaga de Sérgio Moro no Senado. O objetivo da extrema-direita é claro: dá maior visibilidade política à Michelle e prepará-la como candidata "ungida pelas mãos de deus" a presidente em 2026.

Dito tudo isso, está claro que as forças progressistas do país estão diante, não apenas de uma disputa política, mas sim de uma “Guerra Santa”, e como tal, se faz imperioso entender, em profundidade, todo esse processo e iniciar a construção de estratégias, mecanismos e instrumentos para barrar os movimentos da extrema-direita que sabidamente, está muito bem articulada, destemida e conforme os dados acima, com um perigoso e crescente contingente de “soldados de Deus”. 

Assim, dentro da nossa modesta opinião, entendemos que o primeiro passo é a esquerda reavaliar a sua posição de privilegiar os espaços institucionais e voltar para as ações e lutas concretas de suas bases históricas. Ja com relação  ao governo, não basta fazer Políticas Públicas sem fazer a disputa ideológica. Faz-se necessário, também, abandonar essa política de conciliação de classe, confrontar a extrema-direita e os setores reacionários do país, melhorar a sua comunicação e se aproximar mais da classe trabalhadora, dos movimentos sindicais e populares e rever sua política econômica direcionando-a aos interesses da classe trabalhadora, só assim, se pode barrar esse perigoso e fundamentalista movimento político/religioso que tem na Teologia do Domínio sua maior arma para atingir seus objetivos de  Poder. Todo cuidado é pouco!










1Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/articles/crgl7x0e0lmo#:~:text=De%2017.033%20templos%20evang%C3%A9licos%2C%20em,m%C3%A9dia%20de%2017%20por%20dia.
2 Fonte:https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/teologia-da-prosperidade-o-mercado-da-fe-e-a-fe-mercadologica/
3Fonte: Livro Os Demônios Descem do Norte – pag. 29 – Autor Delcio Monteiro de Lima
4Fonte: Livro Os Demônios Descem do Norte – pag. 29 – Autor Delcio Monteiro de Lima

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