quinta-feira, 28 de março de 2024

BRASIL, 31 DE MARÇO DE 1964


 Por: Odilon de Mattos Filho

Segundo Pesquisa Datafolha, 75% dos brasileiros acham que os vinte e um anos de ditadura militar foram os mais tristes capítulos da nossa história. Como se sabe, o golpe militar de 1964 que implantou essa ditadura foi apoiado por parte da grande mídia, pelas elites agrárias e industriais do País e pelo governo estadunidense. O novo regime resultou na cassação de direitos políticos, repressão aos movimentos sociais e sindicais, censura aos meios de comunicação e aos artistas, o uso de métodos como a tortura, o assassinato, o desaparecimento dos opositores ao regime, pervecidades contra os negros, homossessuais e até violência física e ataques à cultura dos povos originários e outras barbáries cometidas pelas mãos sujas do Estado

Com o fim da ditadura, o Brasil inicia um processo de redemocratização. Primeiro, vieram às eleições indiretas, depois, em 1988, a promulgação da nova Constituição Federal, e finalmente, em 1989, a primeira eleição direta após o regime de “chumbo”.

Contudo, está claro que esse ciclo de redemocratização do país não se completou, falta ainda, conhecermos as entranhas do regime de exceção que marcou de forma indelével a vida dos brasileiros e a punição dos militares que participaram da selvageria do regime de arbítrio que iniciou em 1964.

O golpe militar e a instalação do regime de exceção completam, respectivamente, nos dias dia 31 de março e 01 de abril de 2024, sessenta anos. São datas que não deveriam ser esquecidas pelos brasileiros e, especialmente, por um governo do campo popular e democrático, mas, lamentável e surpreendentemente, o chefe deste governo, o presidente Lula parece pensar diferente, pelo menos é o que se depreende de sua entrevista quando disse que o "golpe militar de 1964 é história, não quero ficar remoendo o passado...Estou mais preocupado com o golpe de 8 de janeiro de 2023 do que com 64” e para ratificar essa posição, o presidente determinou o silêncio do governo sobre essas datas.

Não Excelentíssimo Senhor Presidente, mesmo levando em conta a balela da governabilidade, gesto de boa vontade e da pacificação, a sua fala e sua decisão sobre essa efemérides foram lamentáveis, um “desastre ferroviário”, como diria o grande jornalista Mino Carta, pois não há espaço para conciliação e tampouco se pode ser benevolente e tolerante com golpistas, torturadores e defensores da violência e do martírio, sejam eles de outrora ou do presente. Quanto não remoer o passado, vale dizer que quem está remoendo e chorando o pavoroso passado são as famílias que perderam seus entes e todos os que sofreram as atrocidades cometidas pelas mãos dos militares e jagunços a serviço do Estado que, lamentavelmente, se encontram impunes, diferentemente, do que ocorre em países vizinhos como, por exemplo, na Argentina, onde a Justiça, mais uma vez, acaba de condenar dez ex-agentes da ditadura militar (1976 a 1983) argentina com a pena de prisão perpétua, enquanto no Brasil, graças a um arranjo legal de 1979, que fere a Constituição da República de 1988 e Acordos Internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário, os assassinos de fardas, foram ilegalmente anistiados.

Mas, como não poderia ser diferente, a declaração do presidente Lula, deixou muitos perplexos e teve repercussões negativas junto a Grupos de Direitos Humanos e lideranças da esquerda, pois, além de parecer acovardada, leva a crer que a tutela militar ainda ronda o nosso meio e está operando dentro do governo, ou seja, parece que uma ameaça, ainda paira no ar.

Não se pode alegar, também, que falar de 1964 é tirar o foco da tentativa de golpe no 08 de janeiro, que diga-se de passagem, teve o envolvimento de inúmeros militares de pijama e da ativa, inclusive, do Alto Comando das Forças Armadas. É de fácil dedução, que se os militares da geração de 64 tivessem sido punidos, o 08 de janeiro não teria acontecido e talvez, nem Bolsonaro seria eleito. Portanto, falar da ruptura democrática de 64 “não se trata de falar do passado, mas sim de lidar com o nosso presente e construir o futuro. É parte de um processo de educação e insurreição das consciências”. Aliás, cabe aqui a célebre frase do grande Karl Marx: "A história se repete primeiro como tragédia, depois, como farsa".

A propósito, sobre não revisitar o passado,  o “Grupo Prerrogativas” deixa essa mensagem: “ignorar o passado favorece o recrudescimento de novos retrocessos, como é o caso da campanha para perdoar o inominável e seus cúmplices. É preciso requestionar o passado como condição para entender o presente e vislumbrar o futuro..Esquecer, jamais. Não se coloca no esquecimento milhares de mortos, desaparecidos, a cassação de mandatos, o AI-5 e a tortura. Se há algo a comemorar, é a resistência à tirania1”.

Nessa mesma linha o Economista Markus Sokol, membro da Executiva Nacional do PT, afirmou que “..não se trata de “remoer”, mas tomar medidas para proteger a República, tudo o que não foi feito desde 64. A questão dos Mortos e Desaparecidos, por exemplo, está pendente. Por isso, o porão voltou a agir e está aí...2”.

Dito tudo isso, fica sobejamente demonstrado que o dia 31 de março é uma data “para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”, portanto, não se pode trancar os esqueletos dos militares no armário e passar pano na história. É imperioso rememorar, educar as novas gerações e denunciar publicamente, com manifestações o arbítrio de outrora e a recente tentativa de golpe. E no campo institucional, ou seja, no Parlamento, deveria ser revogada o restante que sobrou do entulho autoritário da Lei de Segurança Nacional e ser apresentada uma PEC revogando o principal símbolo da tirania tupiniquim que é artigo 142 da Constituição Federal. A propósito, o STF, recentemente, deu um passo adiante, formando maioria e decidindo que o artigo 142 da CF/88, não dá às Forças Armadas o arbítrio de Poder Moderador, ou seja, não há intervenção militar constitucional, como vinha sendo, amplamente propagado pela extrema-direita bolsonarista. Por fim, outra medida que deveria ser tomada pelo governo federal seria trocar todos nomes de Escolas, Prédios Públicos e Rodovias Federais que tenham nomes de militares que serviram no período da ditadura militar.

E antes que algum facistinha ecoa que essas decisões não passam de revanchismo e vingança, saiba que, ao contrário, elas buscam fazer Justiça, defender e fortalecer nossa incipiente e incompleta democracia formal e substancial. Ditadura Nunca Mais!












1Fonte:https://www.poder360.com.br/brasil/prerrogativas-diz-que-silencio-sobre-o-golpe-de-64-e-
2Fonte: Jornal O Trabalho n. 928 -Pag,6



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