domingo, 2 de novembro de 2025

A PENA DE MORTE FOI ESTABELECIDA PELO GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

 


Por: Odilon de Mattos Filho
As favelas surgiram no Brasil na transição do século XIX para o XX. O termo nasceu após a Guerra de Canudos, onde havia o Morro da Favela, batizado em referência a uma planta da região, a faveleira. Quando o conflito terminou, muitos soldados retornaram ao Rio de Janeiro. Sem condições de moradia e convivendo com os negros recém-“libertos” pela Lei Áurea — igualmente abandonados pelo Estado —, começaram a erguer barracos nas encostas e periferias da cidade. Assim nasceram as primeiras favelas brasileiras.

Segundo estimativa do IBGE (2019), havia no Brasil 5,1 milhões de domicílios em 13 mil aglomerados subnormais, distribuídos por 734 municípios, em todos os estados do país, incluindo o Distrito Federal. Esses números revelam a dimensão de uma realidade historicamente negligenciada pelo poder público.

Desde suas formações, as favelas foram abandonadas pelos governos. Essa ausência permitiu que o crime organizado ocupasse o espaço do Estado, oferecendo o que este negava: alguma forma de poder e pertencimento. Mas é fundamental lembrar: a imensa maioria dos moradores das favelas não é criminosa. São trabalhadores — formais ou informais — que lutam todos os dias por sobrevivência e dignidade.

No imaginário coletivo, a palavra favela remete quase sempre ao Rio de Janeiro. Não é à toa que mais de dois milhões de pessoas vivem nas comunidades cariocas — população que, isoladamente, seria o sétimo maior município do Brasil. E talvez o que mais sofre com uma violência crônica, patrocinada tanto pelo crime quanto, paradoxalmente, pelo próprio Estado.

No dia 28 de outubro de 2025, a “Cidade Maravilhosa” foi palco de mais uma tragédia. Desta vez, a operação ocorreu nos complexos da Penha e do Alemão, resultando em 121 mortes — entre supostos integrantes do Comando Vermelho, quatro policiais e civis inocentes. Foi a maior chacina da história do Rio de Janeiro.

Somada à chacina do Jacarezinho, em 2021, com 27 execuções, o número de mortos chega a 148 vítimas fatais, todas sob o comando do governador Cláudio Castro.

De acordo com o site Wikifavelas, entre 2020 e 2025, foram registradas 218 mortes em comunidades cariocas provocadas por ações do Estado. Destas, 148 ocorreram durante o governo de Castro. Esse é o modus operandi da política de segurança dos governos da extrema-direita: a política da morte como espetáculo.

A deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ), com lucidez e coragem, denunciou: “Essa é uma operação que remonta o que tem sido a prática no Estado do Rio de Janeiro, mas esse governo, em especial, tem um contorno que não podemos negar: o das grandes operações com uma lógica de espetáculo. Há uma tentativa deliberada de dar visibilidade à barbárie cometida pelo próprio Estado... A lógica do sucesso nas operações policiais é a quantidade de corpos deixados no chão, e não a prevenção ou o respeito à Constituição.1

O governador Cláudio Castro e outros líderes da extrema-direita articulam uma narrativa para classificar facções criminosas como “narco-terroristas”. Essa retórica serve para legitimar práticas autoritárias e abrir caminho a possíveis intervenções internacionais, especialmente sob influência dos Estados Unidos.

Essa estratégia também visa colocar a segurança pública no centro do debate eleitoral de 2026. Como afirmou o professor João Cezar de Castro Rocha, da UERJ, vivemos a “bukelização” da segurança pública — referência ao ditador de El Salvador, Nayib Bukele, que construiu sua popularidade sobre o discurso de ódio, o encarceramento em massa e o desprezo pelos direitos humanos.

Segundo o Datafolha, 57% dos moradores do Rio de Janeiro aprovam a operação policial que resultou na chacina. Esse dado, estarrecedor, confirma a tese de João Cezar: a violência de Estado se converteu em política pública com apoio popular.

A deputada Renata Souza observa com precisão que “...a aceitação social das operações letais é parte de uma estrutura que elege governadores e parlamentares. Há um julgamento social de que o inimigo está na favela — e isso legitima a barbárie.2

Por sua vez, o mestre Pierre Monteiro traduz o fenômeno com rara clareza: “O preto, o pobre e o favelado são o fetiche do branco dominador. Numa relação metonímica, a parte insuportável do gozo humano é comprimida na diferença racial e sexual que se busca eliminar. Esses algozes, reprimidos e negacionistas de seu próprio desejo, extravasam de forma violenta e inaceitável sobre aqueles que lhes negam legitimidade. A favela, desde sempre, e cada vez mais, desafia a supremacia branca, homofóbica e autoritária. E eles odeiam isso. A marca de nosso racismo e a razão da chacina é o ódio à existência do outro.3

A chacina, portanto, é a expressão do racismo estrutural. É o ódio institucionalizado contra os corpos negros, pobres e periféricos.

Longe de qualquer defesa ao crime, é preciso dizer com clareza: a política de segurança pública do Rio de Janeiro e de outros Estados, baseada na truculência e no uso desproporcional da força, fracassou. Os dados comprovam que o aumento das operações letais não reduziu o poder do crime organizado. 

Ademais, as autoridades não podem naturalizar as chacinas e apenas contar o número de vítimas como se contasse garrafinhas, isso é coisa de jornal populesco, trata-se de vidas humanas, de histórias de sofrimentos, de famílias, resiliência e de luta pela sobrevivência. São muitos os inocentes que perderam suas vidas nesses confrontos.

Realmente a situação das facções criminosas no Brasil é muito grave: mais de um quarto do território urbano do país é controlado por essas facções. Mas diferente do que já foi aplicado para tentar debelar essa estrutura criminosa, a única saída real é o Estado ocupar as favelas com políticas públicas — saúde, educação, saneamento, cultura, lazer, acesso digital e infraestrutura digna. É preciso transformar as comunidades em bairros com CEP, direitos e cidadania. A segurança pública deve se basear em inteligência, integração e prevenção, não em extermínio.

Diante de mais uma barbárie cometida pelas mãos do Estado do Rio de Janeiro, restam perguntas inevitáveis: Por que não se realizam operações deste porte na Zona Sul, onde vivem e circulam os grandes financiadores do tráfico? Por que não se investiga o sistema financeiro que lava o dinheiro do crime? Como as armas e drogas entram nas favelas?  Quem vai investigar e punir este crime de guerra sem guerra, a Corregedoria do próprio governador que deu aval à operação?

Com a palavra, o Sistema Judiciário brasileiro!












1Fonte:https://www.geledes.org.br/uma-chacina-permanente/
2 Fonte: https://www.geledes.org.br/jacarezinho-por-antonia-quintao/
3Fonte: https://www.geledes.org.br/jacarezinho-por-antonia-quintao/

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