Para aqueles que querem compreender, de maneira racional, o que está acontecendo com essas manifestações, vale ler esse precioso texto de Lino Bcchini, publicado na "Carta Capital".
Com partido! Não dá pra eleger presidente por enquete do Facebook
Com
o fim dos partidos, as políticas públicas, serão debatidas onde,
no Instagram? E depois de derrubarmos a Dilma, vamos escolher o
próximo presidente por enquete do Facebook?
Com
partido! Não dá pra eleger presidente por enquete do Facebook Um
senhor de seus 70 anos tentava caminhar pela avenida Paulista com uma
bandeira vermelha do PCO na noite desta quinta-feira. Era hostilizado
o tempo todo: “Sem Partido!” era o básico. O grito era
direcionado a todos com qualquer bandeira ou camiseta de partido
político. Sempre gritado em coro, e de forma pausada --“Sem
par-ti-dooo!!”. Mais um pouco e um de grupo recém-saídos da
adolescência começa a urrar em sua orelha, bem próximo, em
uníssono: “O-por-tu-nis-taaa! O-por-tu-nis-taaa!”. O militante
veterano teve mais sorte do que muitos outros que tiveram as
bandeiras arrancadas de suas mãos e queimadas. “Só pode bandeira
do Brasil!” foi a ordem determinada aos berros e que ecoou não
apenas em São Paulo, mas em muitas outras cidades do país.
É
surreal. E assustador. Achei que democracia fosse outra coisa. Esses
garotos só podem protestar livremente agora justamente porque esse
mesmo senhor, dentre tantos outros, foram às ruas dezenas de vezes,
ajudando a restabelecer a democracia em nosso país. E fizeram isso
muito antes desses garotos que o xingam nascerem. Milhares de pessoas
foram torturadas e outros tantos morreram para garantir a liberdade
de expressão desses que agora querem proibir os outros de se
expressar.
E
não pode bandeira de nada. Até as do movimento LGBT foram coibidas.
Afinal, lembre-se, a regra do exército de patrioteens é clara: “só
pode bandeira do Brasil”. Afinal o vermelho poderia macular a
micareta da juventude da TFP que ocupou a avenida Paulista --e tantas
outras Brasil afora-- nesta quinta.
“Aqui
é São Paulo, porra!”
Um
dia antes, na quarta-feira, assim que foi anunciada a redução das
tarifas em São Paulo e no Rio, cerca de 3 mil pessoas correram para
a mesma avenida Paulista para comemorar. Também estive lá. Em um
dado momento, o grupo todo parou em frente a Fiesp, a Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo, um dos prédio mais emblemáticos
da concentração de riqueza em nosso país. Por um segundo, me bateu
uma esperança --“Vão xingar as grandes empresas”, pensei,
iludido. Nada disso. Puseram a mão no peito e começaram a cantar o
hino nacional, olhando para as luzes verde e amarelas da fachada,
emocionados. Alguns o faziam de joelhos para a Fiesp. Literalmente. Na
boa... o que aconteceu com essa molecada? Que educação tiveram (ou
não tiveram)?
Em
que momento da vida dessa garotada ideais de Plínio Salgado e o
Olavo de Carvalho tornaram-se mais atraentes do que a rebeldia, a
liberdade, o respeito às diferenças?
Pior:
se o grosso da massa verde e amarela nem sabe quem é Olavo e quem
foi Plínio, outros sabem muito bem: tinham grupos de ultra-direita
organizados pelas ruas de São Paulo na noite desta quinta. Vários.
Só pra citar meu exemplo pessoal, dentre tantos outros relatos, um
elemento que tentei entrevistar leu meu nome no crachá de imprensa,
me ameaçou, tentou arrancar o celular de minha mão e me empurrou
quando tentei filmá-lo. Gritava exaltado, expelindo perdigotos na
minha cara: “Aqui é São Paulo, porra!!”.
Criminosos
à parte, estava nas ruas essencialmente uma massa que odeia partidos
(qualquer um), e é contra tudo. Acham que todo político é igual –e
corrupto-- e querem o impeachment de Dilma e de quem mais se
lembrarem do nome. Pintam o rosto com as cores da bandeira, cantam o
hino nacional louvando a Federação das Indústrias (ainda não
acredito que vi isso) e nem se dão conta do absurdo da situação.
Pior: acham lindo, emocionante. E
não é nada lindo, tampouco emocionante.
Acabar
com partidos e tirar todos os políticos do poder é um absurdo e
deveria ser obviamente uma sandice. Mas a gravidade do momento exige
que certas obviedades sejam repetidas muitas vezes: se derrubarmos
todos os políticos, fecharmos o Congresso e acabarmos com os
partidos, quem assume a presidência, o Luciano Huck?
E
as políticas públicas, serão debatidas onde, no Instagram? E
depois de derrubarmos a Dilma provavelmente vamos eleger o próximo
presidente por enquete do Facebook.
Os
governantes que estão aí, por pior que sejam, foram eleitos. Muitos
deles com seu voto, aliás. Parênteses: o senador Cristóvão
Buarque (PDT-DF), na manhã desta sexta-feira, defendeu na tribuna do
Senado o fim de todos os partidos. Inacreditável.
E,
caro patriota, pense mais um pouco. Que tipo de gente você acha que
está feliz com essa história toda? Se os diretores da Globo e da
Veja e mais um bando de radicais conservadores estão marchando a seu
lado, pode apostar: aí tem coisa.
Por
mais jovem, descolado, bonito, bem nascido, bem vestido e até
eventualmente bem intencionado que você seja, me desculpe. Sua
postura é de um atraso inaceitável. Está servindo, mesmo que
involuntariamente, a interesses perigosíssimos. Mais: você não
“acordou” coisa nenhuma. Nessa história toda quem está na
vanguarda e despertou há tempos é o tiozinho do PCO que você
xingou.
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