quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

NÃO HÁ OUTRA TIPIFICAÇÃO: É CRIME DE GENOCÍDIO CONTRA OS POVOS YANOMAMI


“Em 12 de outubro de 1492, os nativos descobriram que eram índios, descobriram que viviam na América, descobriram que estavam nus, descobriram que existia pecado, descobriram que deviam obediência a um rei e uma rainha de outro mundo e a um deus de outro céu, e que esse deus havia inventado a culpa e a roupa e havia mandado queimar vivo quem adorasse ao sol, à lua, à terra e à chuva que a molha.” Eduardo Galeano


Por: Odilon de Mattos Filho
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, prevê no seu artigo 231 que “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupa, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Segundo o Censo de 2010, o Brasil possui 897 mil índios que habitam 1.296 terras indígenas das quais apenas 401 foram demarcadas. Os povos indígenas do nosso país estão distribuídos por 305 etnias, além de 70 tribos vivendo em locais isolados que ainda não foram contatadas. A região Norte do Brasil concentra (63,4%) a maior parte da população indígena do país.

Com o intuito de superar os antigos e graves problemas do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), intelectuais do CNPI criaram em 1967 a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão indigenista oficial responsável pela promoção e proteção aos direitos dos povos indígenas de todo o território nacional. No entanto, a a criação da FUNAI pouco modificou o panorama de omissão, conivência e inação da antiga SPI. “A Funai foi inserida no plano mais abrangente da ditadura militar, que pretendia reformar a estrutura administrativa do Estado e promover a expansão político-econômica para o interior do País, sobretudo para a região amazônica. As políticas indigenistas foram integralmente subordinadas aos planos de defesa nacional, construção de estradas e hidrelétricas, expansão de fazendas e extração de minérios. Sua atuação foi mantida em plena afinidade com os aparelhos responsáveis por implementar essas políticas: Conselho de Segurança Nacional (CSN), Plano de Integração Nacional (PIN), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM)1”.

Passados 56 anos da fundação da Funai o que se vê, especialmente, nestes últimos 6 anos é a reprodução deste pensamento da expansão econômica com a pressão do agronegócio e do mercado de pedras preciosas, em particular nas regiões Norte e Centro-oeste do país, para tanto, o objetivo foi o mesmo de outrora, liquidar com os povos originários.

Com as notícias sobre o genocídio dos Povos Yanomami cometido pelo governo Bolsonaro fica muito claro que essa política de dizimar os povos originários para favorecer o agronegócio e o criminoso mercado de pedras preciosas estava em pleno vigor, não à toa as várias medidas tomadas pelo governo anterior, como mudanças nas estruturas da Funai, corte de verbas, nomeações de funcionários ligados ao agronegócio e outras alterações, que fizeram parte dessa estratégia de dizimar os povos Yanomamis.

Corroborando essa afirmação, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), publicou em seu site que “o ano de 2021 foi marcado pelo aprofundamento e pela dramática intensificação das violências e das violações contra os povos indígenas no Brasil. O aumento de invasões e ataques contra comunidades e lideranças indígenas e o acirramento de conflitos refletiram, nos territórios, o ambiente institucional de ofensiva contra os direitos constitucionais dos povos originários...Em seu terceiro ano, o governo de Jair Bolsonaro manteve a diretriz de paralisação das demarcações de terras indígenas e omissão completa em relação à proteção das terras já demarcadas. Se, do ponto de vista da política indigenista oficial, essa postura representou continuidade em relação aos dois anos anteriores, do ponto de vista dos povos ela representou o agravamento de um cenário que já era violento e estarrecedor2”.

O genocídio que estava em curso contra os povos Yanomami é o exemplo claro dessa nefasta e covarde política. Aliás, as razões de veto ao PL 1.142/2020 encaminhada ao Senado Federal pelo ex-presidente Bolsonaro, por meio da Mensagem nº 378/2020 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Msg/VEP/VEP-378.htm), é uma das provas que ajudam sustentar a tipificação do crime de genocídio (Lei 2.889/56) cometido pelo governo Bolsonaro. Nas referidas Razões de Veto o ex-presidente, vetou, por exemplo, "o acesso universal a água potável aos indígenas"; "distribuição gratuita de materiais de higiene, de limpeza e de desinfecção de superfícies para aldeias ou comunidades indígenas, oficialmente reconhecidas ou não, inclusive no contexto urbano”, dentre outros vetos a dispositivos do citado PL que buscava criar políticas de saúde pública para ajudar no combate ao vírus da COVID-19.

Além dessa Razão de Veto, que é um dos vários exemplos dos absurdos que se cometeram em plena Pandemia em nome de um negacionismo tacanho e criminoso contra os povos originários e a população em geral, foi amplamente noticiado e está devidamente documentado a omissão, a inação e à conivência do governo Bolsonaro com a violência cometida contra os povos Yanomami.

Para se ter uma ideia dessa barbárie, dados preliminares apontam que 570 crianças com menos de cinco anos morreram no território yanomami nos últimos quatro anos por doenças tratáveis como verminoses, malária e desnutrição. Nessa mesma informação chegada ao Palácio do Planalto é citado que 6 de 10 crianças estão passando fome junto com as suas famílias. Vários casos de violência sexual, estupros e troca de alimentos por sexo, são também noticiados no Relatório entregue ao presidente Lula. Aliás, as fotos veiculadas pela imprensa e pelas redes sociais são provas deste terror de fragilidades extremas, fome extrema e de seres humanos totalmente subjugados o que nos faz lembrar das imagens dos terríveis campos de concentração nazista. Uma enorme tristeza, uma vergonha para o país!

Mas, todas essas barbáries não deveria ser surpresa para ninguém, pois, tudo isso faz parte do caráter desumano e cruel do ex-presidente Bolsonaro que parece ter uma tara em dizimar Povos Indígenas. No primeiro mandato como deputado federal (PPR/RJ) ele já apresentou um Projeto de Decreto Legislativo nº 365/93, propondo tornar sem efeito um decerto do presidente Collor que recomendava a criação da Reserva Yanomami. Foi derrotado! Não obstante esse mau-caráter de Bolsonaro a sua política econômica vai, também, contrário aos interesses da maioria do povo brasileiro, o seu projeto visava sustentar o modelo capitalista que tem como norte priorizar os mega investimentos, as grandes barragens, a exploração mineral, as monoculturas que degradam o meio ambiente e envenenam a terra, as águas e todos os seres vivos, ou seja, Bolsonaro não passa de um mequetrefe, é um combo de maldade, ignorância de imbecilidade! 

Aliás, fazendo valer o seu mau-caratismo, Bolsonaro cumpriu à risca sua promessa de campanha em 2017, quando afirmou para o agronegócio – um dos seus grandes financiadores de campanha eleitoral - que se eleito presidente “não haveria um centímetro de terra para indígenas e quilombolas”. Disse, ainda, que “Índio já tem terra demais, vamos tratá-los como seres humanos, índios não quer viver em um zoológico3”. A propósito, nesse mesmo dia na Hebraica do Rio de Janeiro, Bolsonaro destilou seu veneno contra os negros dizendo que eles são pesados em arrobas.

Mas, voltando à violência contra os Yanomamis, levantamento do CIMI, corroborado pela PF, dão conta “que existem mais de 20 mil garimpeiros em terras Yanomami que passaram a realizar ataques armados sistemáticos contra as comunidades indígenas, espalhando um clima de terror e provocando mortes, inclusive de crianças...Os ataques criminosos, com armamento pesado, foram denunciados de forma recorrente pelos indígenas – e ignorados pelo governo federal, que seguiu estimulando a mineração nestes territórios. Os garimpos, além disso, serviram como vetor de doenças como a Covid-19, a malária para os Yanomami..4” isso sem contra o crime ambiental cometido nessa área, como, por exemplo, contra a flora e fauna, em especial, a poluição dos rios com o envenenamento dos peixes com mercúrio utilizado nos garimpos.

Diante deste vergonhoso, terrível e desumano quadro de violência contra os Povos Yanomami, se faz imperioso a mão forte do estado, ou seja, deve ser destruídos todos os garimpos das terras indígenas, punidos todos os garimpeiros, em especial, seus patrões, e que todos, inclusive, autoridades do governo Bolsonaro sejam denunciados e punidos por crime de genocídio, conforme estabelece a Lei 2.889/56. Não há outra tipificação penal para esse crime contra os Povos Yanomami!

A propósito, o festejado Jurista Lenio Streck assevera que "Bolsonaro — e seus coautores — ao permitirem o garimpo, ao deixar de mandar socorro, ao incentivar a invasão e degradação das condições ambientais, dirigiram sua vontade no sentido de realizar condições de risco que certamente levariam o grupo à extinção"..."O enquadramento [de genocídio] é bem possível. E nem se trata de invocar dolo eventual. O que houve foi uma ação ilegal consciente e com consciência de que certamente produziria um resultado como a morte e doenças de uma etnia. O resto todos sabem5".

Na outra ponta, é imperioso que o atual governo dê continuidade a toda a estrutura de saúde para salvar as vidas dos Yanomami sobreviventes, garantindo-lhes não só agora, mas também para o futuro toda assistência que for necessária para preservar a vida e a cultura deste e de outros povos, realizando as demarcações e o reconhecimento das terras pertencentes aos povos originários.


Por fim, vale reconhecer que mudança do nome da Funai que passa a ser Fundação Nacional dos Povos Indígenas, a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a nomeação da ministra Sônia Guajajara foram passos simbólicos e importantíssimos para que o país estabeleça uma Política séria, técnica, comprometida e eficaz de proteção e garantia aos direitos dos Povos Indígenas do nosso país, buscando pensar o Brasil a partir das cosmologias e histórias indígenas e entender, de vez, que somos uma Nação “múltipla e nela coexistem maneiras distintas de pensar e de viver”. Que a Justiça seja feita e a anistia seja negada aos genocidas...!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5-Fonte: https://www.brasil247.com/brasil/bolsonaro-pode-ser-enquadrado-por-genocidio-contra-o-povo-ianomami-diz-lenio-streck

 

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