Na nossa modesta opinião, Mino Carta é o mais sensato, competente e brilhante jornalista
brasileiro. Suas análises sobre política são perfeitas, acertadas e quase proféticas.
Por essa razão reproduzimos este notável editorial extraído da revista “Carta Capital”
Aonde eles pretendem chegar?
Mala tempora currunt, costumava
dizer meu pai quando a situação política azedava. Maus tempos chegaram, em
tradução livre. Ele usava relógio de bolso de ouro de celebérrima marca suíça,
presente de meu avô materno, Luigi, munido de tampa sobre a qual se lia,
gravado em latim, o seguinte dizer: nada aconteça que você não queira lembrar.
Nem sempre, contudo, a vida sorri. Falo de cátedra, porque, quando meu pai
morreu, herdei o relógio na qualidade de filho primogênito. Não o uso, mas o
guardo com carinho e neste momento vejo meu pai a erguer a tampa com um leve
toque de ponta de indicador e pronunciar, entre a solenidade e a pompa, mala
tempora currunt.
Há qualquer coisa no ar
que me excita negativamente e me induz a pensamentos sombrios, algo a recordar
tempos turvos, idos e vividos. É a lembrança de toda uma década, espraiada
malignamente entre o suicídio de Getúlio Vargas e o golpe de 1964, aquele
executado pelos gendarmes da casa-grande, e exército de ocupação. Dez anos a
fio, a mídia nativa vociferou contra líderes democraticamente eleitos e se
expandiu em retórica golpista logo após a renúncia de Jânio Quadros.
Muita água passou debaixo
das pontes, embora algumas delas levem o nome de ditadores e até de
torturadores, mas o tom atual desfraldado à larga pelos barões midiáticos e
seus sabujos não deixa de evocar um passado que preferiria ver enterrado.
Talvez esteja, de alguma forma, mesmo porque as personagens têm outra dimensão.
Os propósitos são, porém, semelhantes, segundo meus intrigados botões.
Acabava
de lhes perguntar: qual será o propósito destes comunicadores, tão
compactamente unidos no ataque concentrado ao PT no governo? Qual é o alvo
derradeiro?
A memória traz à tona
Jango Goulart e Leonel Brizola, a possibilidade de uma mudança, por mais
remota, e os alertas uivantes quanto ao avanço da marcha da subversão. Os temas
agora são outros, igual é o timbre. Além disso, na comparação, mudança houve, a
despeito de todas as cautelas e do engajamento tucano, com a eleição de Lula e
Dilma Rousseff. Progressos sociais e econômicos aconteceram. O ex-presidente
tornou-se o “cara” do povo brasileiro e do mundo, a presidenta, se as eleições
presidenciais se dessem hoje, ganharia com 70% dos votos.
Percebe-se, também, a
ausência de Carlos Lacerda. Ao menos, o torquemada de Getúlio e Jânio lidava
melhor com o vernáculo do que os medíocres inquisidores de hoje. Medíocres?
Toscos, primários, sempre certos da audiência dos titulares e dos aspirantes do
privilégio, em perfeita sintonia com sua própria ignorância. Contamos, isto
sim, com o Instituto Millenium. Há quem enxergue na misteriosa entidade,
apoiada inclusive com empresários tidos como próximos do governo, uma exumação
do Ibad e do Ipes, usinas da ideologia fascistoide que foi plataforma de
lançamento do golpe de 64.
Até onde vai a parvoíce e
onde começa o fingimento? É possível que graúdos representantes do poder
econômico não se apercebam das responsabilidades e alcances da sua adesão ao
insondável Millenium? Ou estariam eles incluídos na derradeira prece de Cristo
na cruz: perdoe-os, Pai, eles não sabem o que fazem? Que o golpismo da mídia da
casa-grande seja irreversível é do conhecimento do mundo mineral. Causa espécie
o envolvimento de personalidades aparentemente voltadas aos interesses do País
em lugar daqueles da minoria.
Causa espécie, em grau
ainda maior, a falta de reação adequada por parte do governo, inerte diante da
ofensiva da autêntica oposição, o partido midiático. Não basta dizer, como o
ministro Gilberto Carvalho, que o povo está satisfeito com o bom governo de
Lula e Dilma, enquanto a própria liderança do PT recomenda ao relator da CPI do
Cachoeira, o intimorato Odair Cunha, que retire os halfos para o morrinho e
Policarpo Jr. do rol dos passíveis de indiciamento.
E aí se apresenta o
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, empenhado no esforço de demonstrar
que não foi ignorado pela Polícia Federal no episódio destinado a exibir as
mazelas do terceiro escalão governista. Notável protagonista, altamente
representativo. Precioso aliado do banqueiro Daniel Dantas em determinadas
ocasiões, como, de resto, muitos outros “esquerdistas” brasileiros. Ah, sim,
Cardozo acha que Lula provou sua inocência no caso da secretária Rose e de suas
consequências. Acha?
Ainda bem. Soletra ele, diante das câmeras da tevê: “Imaginar
que o ex-presidente estivesse envolvido por trás disso, está, a meu ver,
desmentido”. A meu ver? Estivesse eu no lugar de Lula e de Dilma, viveria
apavorado ao perceber este gênero de comandantes à frente do meu efetivo.
E à presidenta, que
CartaCapital apoiou e apoia, recomendamos a leitura de um dos mais qualificados
arautos da direita golpista. Merval Pereira não se confunde com Carlos Lacerda,
mas na semana passada avisou não ser o caso de isentar Dilma das denúncias de
corrupção, presentes e passadas. Está clara a intenção de aplicar à presidenta
a tese do domínio do fato.
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