Por: Odilon de Mattos Filho
Segundo o TSE, nas eleições de 2024, 155.912.680 eleitores e eleitoras estavam aptos a votar. As mulheres formaram a maioria, representando 52% do total, com 81.806.914 eleitoras, enquanto os homens correspondiam a 48%, somando 74.076.997 eleitores. Além disso, 28.769 pessoas (0,02%) não informaram o gênero. A divisão do eleitorado por faixa etária foi a seguinte: entre 25 e 44 anos, 62,7 milhões; entre 16 e 24 anos, 20,1 milhões; entre 45 e 69 anos, 57,8 milhões; e entre 70 e 100 anos, 15,2 milhões. O eleitorado jovem, de 16 a 17 anos, teve um aumento expressivo de 78% em relação ao último pleito municipal, totalizando 1.836.081 eleitores.
Concluído o primeiro turno, com o gigantismo dos números divulgados pelo TSE e a eficiência comprovada das urnas eletrônicas, partidos, analistas e especialistas começaram a examinar os resultados em todo o país, considerando os múltiplos fatores em jogo.
Aqui, apresentamos nossa análise, levando em conta nossa perspectiva, a de outros especialistas e os resultados obtidos pelo PT, além dos desempenhos da direita e da extrema-direita.
Para qualquer análise, é imprescindível considerar certos fatores históricos, especialmente no que diz respeito ao PT. Esta eleição foi marcada pelo uso massivo de emendas parlamentares bilionárias, controladas por deputados e senadores da direita e extrema-direita, que fortaleceram as máquinas públicas municipais. Não por acaso, o índice de reeleição chegou a 80% nas cidades que mais receberam essas emendas. Aliás, esse pleito foi marcado pela maior intervenção do capital na história das eleições brasileira.
Entre os quatro partidos que conquistaram o maior número de prefeituras no primeiro turno de 2024, o PT é o único que governou o país por 5 mandatos com bons índices de aprovação e é também o único Pardido com trajetória histórica e uma base política e ideológica clara (ainda que, hoje, isso seja alvo de controvérsia), mas mesmo assim, esses fatores não garantiram ao Partido uma vitória robusta que refletisse seu tamanho e importância.
Vale lembrar que, desde a redemocratização, o PT participou de todas as eleições presidenciais com candidato próprio. Nas nove eleições realizadas, o PT venceu cinco e chegou ao segundo turno em todas elas. Esses resultados transformaram o PT no maior protagonista da política nacional, tornando-o também o principal alvo de ataques das elites dominantes.
No entanto, esse protagonismo parece estar sendo cedido à direita. O PT governou em 2012 635 prefeituras, mas em 2016, caiu para 256, em 2020 183, e em 2024 foram 248 prefeituras. Nos quatro maiores Estado da Federação o PT foi um fracasso na eleição de 2024: em SP foram apenas 3 Prefeituras, em MG 35, RJ 3 e BA 49 prefeituras. Nas cidades com mais de 200 mil habitantes o PT vai governar apenas 4 prefeituras. Já a direita e a extrema-direita se fortaleceram e mostraram que o PT está perdendo o seu protagonismo político. O PSD venceu em 882 municípios, o velho MDB 857, o PP 748, o União 585 e o PL vai governar 511 prefeituras. O PT disputará o segundo turno em 13 cidades, sendo quatro capitais: Fortaleza, Porto Alegre, Cuiabá e Natal. A soma de votos em candidatos do PT subiu de 6,9 milhões para 8,8 milhões.
Diante desses números, e considerando quase uma década de cerco e perseguição ao PT, além do impacto das emendas parlamentares do Centrão (as chamadas "emendas PIX"), as lideranças do Partido avaliam que o resultado reflete, sim, um crescimento e uma recuperação eleitoral, o que dá fôlego para 2026. Argumentam também que o avanço da direita não é exclusivo do Brasil, mas parte de uma tendência global, especialmente na Europa.
Na nossa opinião, entretanto, essa análise é equivocada, pois desconsidera aspectos importantes da história recente do Partido que ajudam a explicar o desempenho modesto do PT em 2024. Em primeiro lugar, o Partido tem se deslocado para a centro-esquerda desde o segundo governo Dilma e, no atual governo Lula 3, já se apresenta como um partido de centro. Essa mudança ideológica, além de representar um erro estratégico, afastou o Partido da classe trabalhadora, pois o PT já não se diferencia tanto ideologicamente dos partidos de direita que, inclusive, adotaram o discurso antissistema, antes típico da esquerda. A expressiva votação de 1.719.274 votos obtida pelo mequetrefe Pablo Marçal corrobora a importância do discurso antissistema.
A esse respeito, o professor Alysson Leandro Mascaro adverte: "A esquerda sofreu um strike na eleição municipal... Como brota uma esquerda hoje se a que existe é liberal?... O PT, quando surgiu, estava à esquerda do Partido Democrata. Passaram-se 40 anos, e ele está agora alinhado com o Partido Democrata", referindo-se ao alinhamento do PT com políticas liberais que, segundo ele, não atendem às demandas reais da população. Ele continua: "Diante da crise do capitalismo, os arruaceiros conquistam os candidatos... O liberalismo não é uma solução para os problemas estruturais da sociedade brasileira. Precisamos de uma esquerda que não tenha medo de se posicionar, desafiar o sistema e confrontar os pilares do capitalismo"¹.
Com uma visão diferente das lideranças do PT, o economista Markus Sokol, membro da Executiva Nacional do Partido, afirma: "A explicação de que a extrema-direita está crescendo em todo o mundo não é verdadeira, é uma manipulação. Na França e no México, a esquerda venceu porque apresentou uma plataforma de reformas que dialoga com as necessidades do povo, mobilizando-o. Isso é diferente do que estamos fazendo no Brasil com a política de governabilidade, que dialoga com o Centrão e não com o povo... Por isso, é fácil constatar que essa política de alianças nacionais não contém o avanço da direita nem da extrema-direita"².
Outra voz crítica à atual direção do PT é José Genoino, que, com sua costumeira e certeira leitura política, afirmou: “Precisamos reformar o PT, é hora de repensar o Partido de forma estrutural... O PT precisa ser a voz da mudança. Não podemos apenas administrar o sistema; temos que apresentar uma alternativa de país que seja viável e inspiradora para as pessoas... As alianças que realmente funcionaram foram as com partidos progressistas, como PSOL e PCdoB. Precisamos construir uma frente de esquerda forte, dentro e fora do governo, para garantir avanços reais"³.
Diante de tudo isso, podemos tirar algumas conclusões. A primeira é que o PT não evoluiu eleitoralmente como se esperava. É ilusório sustentar que o PT foi bem nas eleições, pois o crescimento foi muito tímido, considerando que o governo Lula está concluindo seu segundo ano. Aliás, as pesquisas que indicam um baixo índice de aprovação do governo podem ajudar a explicar esse resultado eleitoral modesto no primeiro turno. Por outro lado, a direita e a extrema-direita tiveram um crescimento surpreendente, apesar de todas as suas sandices.
Outra conclusão, tão cristalina quanto a primeira, é que a política de alianças por meio da Frente Ampla com o centro e a direita, patrocinada pela cúpula do PT, ou melhor, pela "federação de Parlamentares ou de mandatos" que se transformou o Partido, se mostrou totalmente desastrosa sob o ponto de vista político e de governança. Primeiro, porque desfigurou ideologicamente o Partido, que está perdendo sua capacidade de dialogar com a classe trabalhadora, segundo porque não consegue ter maioria no Congresso e finalmente, porque essas esdrúxulas alianças só serviram para criar condições políticas para a ampliação do protagonismo da direita e da extrema-direita no país. Os números desta eleição comprovam essas assertivas.
Diante desse cenário, o PT precisa entender que essas alianças e sua política econômica de arrocho fiscal, como a revisão de gastos que pode atingir benefícios sociais, estão fazendo o Partido perder sua identidade ideológica, distanciando-o da classe trabalhadora e da população mais vulnerável. Aliás, em certa feita, Mano Brow disse alto e bom som: "...se somos do Partido dos Trabalhadores, Partido do povo, tem que entender o que o povo quer, se não sabe, volta para a base e vai procurar saber..."Portanto, é imperativo um movimento coeso e estratégico que passe pela mobilização social, a luta política/ideológica e reformas populares amplas, rejeitando a conciliação que só interessa às elites do país. Caso contrário, o PT pode estar fadado, no futuro, a se transformar em um mero coadjuvante no cenário político brasileiro. Cabe ao PT agir como o PT agia!
Aliás, nesse sentido, José Genoino, com sua costumeira precisão, alerta: "A direita tenta encurralar o PT, e alguns companheiros se equivocam ao querer não polarizar, ao não resgatar suas identidades, ao não radicalizar no programa, e aí ficam domesticados... A esquerda vai precisar se reinventar. Ela precisa fazer campanha de base. Se a esquerda não apostar em sonhos, ela vai se adaptar. O adaptacionismo é a negação da política. A esquerda não pode se adaptar, ela tem que se rebelar. O caminho é o enfrentamento"⁴.
Por fim, e mesmo ciente de que os resultados do segundo turno das eleições não irão alterar a nossa percepção de que a esquerda, capitaneada pelo PT, foi derrotada nas eleições 2024, vamos aguardar esses resultados para analisar melhor o tamanho das vitórias e derrotas da direita e da esquerda e, assim, tentar projetar o futuro político do Brasil e os rumos de nossa democracia, permeada por contradições, acertos e equívocos.
Que essa eleição seja uma lição para o PT!
¹ Fonte: [Brasil247 - Alysson Mascaro]( Brasil247 - Alysson Mascaro
²YouTube - Markus Sokol
3-Fonte: https://www.brasil247.com/entrevistas/precisamos-reformar-o-pt-e-hora-de-repensar-o-partido-de-forma-estrutural-diz-jose-genoino
4-https://www.brasil247.com/entrevistas/se-a-esquerda-cair-no-discurso-da-nao-polarizacao-ela-sera-liquidada-diz-jose-genoino
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