terça-feira, 29 de outubro de 2024

A BOLA DE OURO DOS COLONIZADORES

 


Por: Odilon de Mattos Filho

É consenso que o futebol é o esporte mais popular no Brasil e um dos principais mobilizadores de pautas socioculturais e políticas no país.

O Brasil já foi conhecido como a "pátria de chuteiras" e, por décadas, dominou o cenário do futebol mundial. Não à toa, é a única nação pentacampeã e, ainda hoje, o maior celeiro de craques, sendo o maior exportador de jogadores para o exterior, especialmente para a Europa. Atualmente, praticamente todos os grandes clubes europeus têm, no mínimo, um jogador brasileiro titular em suas equipes.

Com o passar do tempo, a financeirização exacerbada do futebol, especialmente na Europa, fez com que o Brasil perdesse seu protagonismo tanto em seleções quanto em clubes. Os clubes brasileiros, ao longo dos anos, sofreram uma acentuada queda técnica devido à transferência frequente de seus principais jogadores para clubes estrangeiros, especialmente europeus, que concentram os maiores e mais bem pagos jogadores e treinadores do mundo. Nesses Clubes os jogadores brasileiros sempre se destacam e nas finais de temporadas aparecem em listas de premiações.

Em 1956, a renomada revista francesa France Football criou o cobiçado prêmio "Bola de Ouro", que reconhece anualmente o "melhor jogador do mundo". Contudo, a premiação tende a restringir seus vencedores a atletas que atuam na Europa, revelando um viés que privilegia o Velho Continente. O ultimo brasileiro a vencer esse prêmio foi Kaka quando atuava pelo Milan da Itália.

A escolha do vencedor da "Bola de Ouro" é feita por 100 jornalistas, um de cada país do top 100 do ranking da FIFA. Este ano, o eleito como o melhor jogador da temporada 2023/2024 foi o espanhol Rodri, do Manchester City. Entre os quatro finalistas estavam Rodri, Vini Jr. (Brasil/Real Madrid), Bellingham (Inglaterra/Real Madrid) e Carvajal (Espanha/Real Madrid).

Vinícius Júnior era amplamente cotado para vencer o prêmio, com suas atuações destacadas e a conquista de quatro títulos com o Real Madrid: Supercopa da UEFA, La Liga, Supercopa da Espanha e UEFA Champions League, em que foi eleito o melhor jogador. Além disso, sua corajosa e quase solitária luta contra o racismo estrutural na Espanha pesava a seu favor.

Desde que chegou à Espanha, Vinícius Jr. sofreu inúmeros ataques racistas, mas, para desgosto dos racistas, ele se manteve firme e rebelde e sempre pronto para levantar a voz contra esses atos, tornando-se uma figura pública que desafia o preconceito racial e a xenofobia no futebol europeu.

A propósito, Marcelo Carvalho, do Observatório da Discriminação Racial, destacou a tentativa de silenciar Vinícius Jr.: "O silenciamento é uma das maneiras mais perversas de atacar pessoas negras. Racismo, embora intangível, não é algo não violento. Negros e negras se silenciam com medo de perder a vida, o emprego, a saúde mental...". Rodrigo Mattos complementa: “O que se espera de uma pessoa negra? Submissão, bom comportamento, que ela faça o que dizem que ela deve fazer. Quando Vinícius rompe essa barreira, ele se torna uma figura indesejada para grande parte da sociedade, inclusive no meio do futebol.1"

No dia da revelação do vencedor da "Bola de Ouro", a escolha de Rodri causou espanto e reação negativa no mundo do futebol. Embora excelente meio-campista, suas atuações na temporada 2023/2024 não se equipararam às de Vinícius Júnior. Isso leva a crer que a postura e as denúncias de Vini Jr. contra o racismo na Europa, especialmente na Espanha, foram determinantes para que ele não fosse premiado.

Inclusive, o próprio Rodri, em seu discurso de premiação, declarou que “o futebol venceu”. Como apontou o jornalista Rodrigo Mattos, "essa frase é repetida por muitos europeus para justificar a escolha. A lógica parece sugerir que seria uma 'derrota do futebol' se Vinícius Jr. vencesse, revelando muito sobre o tipo de futebol que desejam". Mattos ainda comenta: "Vini Jr. perdeu a Bola de Ouro por algo subjetivo e extracampo. Se as opções eram ficar calado e ganhar ou se manifestar e perder, ele fez a escolha mais altruísta.2"

Após a repercussão negativa, autoridades e dirigentes esportivos europeus se apressaram em afirmar que "não há provas" de que as denúncias de Vini Jr. tenham influenciado a escolha dos jornalistas, alegando que apenas os aspectos técnicos foram considerados.

Sobre essa narrativa dos dirigentes, a jornalista Mily Lacombe fez uma análise incisiva: “Não podemos provar que foi racismo, mas podemos contar quantos jogadores africanos já ganharam a Bola de Ouro... Não podemos provar que foi racismo, mas podemos estudar o impacto do colonialismo europeu sobre as sociedades ao redor do mundo... Não podemos provar que foi racismo, mas podemos observar como a França trata seus atletas negros quando perde... Não podemos provar que foi racismo, mas podemos contar quantos atletas europeus se solidarizaram com Vinícius Jr. em momentos de ataques de ódio.3”

Assim, não surpreende o resultado da premiação, pois ele reflete a visão eurocêntrica, preconceituosa e colonizadora que ainda permeia o futebol e outros aspectos culturais.

A propósito, a letra da música, “Preto Demais”, de Hugo Ojuara traduz muito bem o que a elite europeia espera de Vinícios Júnior. Diz parte da letra: “...É que ele é preto demais; Corre demais, fala demais, sorri demais; Tá estudando demais, comprando demais e viajando demais e assim não dá mais...”

Ao nosso craque da bola e do ativismo político, resta agora a expectativa pelo prêmio "FIFA Awards", criado pela FIFA para competir com a UEFA/France Football. Este prêmio talvez seja concedido a Vinícius Jr. como uma forma de compensação e, quem sabe, para apaziguar a "consciência pesada" – se é que existe – dos eurocentristas que ainda veem o futebol e os países periféricos através de uma lente colonizadora. A esses que esperam que o Vinícios Júnior silencie a sua voz, o nosso verdadeiro “Bola de Ouro” mandou uma mensagem clara, direta e corajosa: “Eu farei 10x se for preciso. Eles não estão preparados.”










































































































1-Fonte:https://x.com/mmcarvalho8/status/1851086729354100883?ref_src=twsrc%5Egoogle%7Ctwcamp%5Eserp%7Ctwgr%5Etweet

2-Fonte:Fonte:https://x.com/_rodrigomattos_/status/1851019604153319446?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1851019604153319446%7Ctwgr%5Ed37d7cb3439fe535da740a37bb6bc22257294c9d%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.lance.com.br%2Ffora-de-campo%2Fjornalista-critica-atitude-de-rodri-apos-receber-a-bola-de-ouro-diz-muito.html

3-Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/milly-lacombe/2024/10/29/o-futebol-revela-a-europa-e-indefensavel.htm














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