terça-feira, 24 de maio de 2022

MINHA CASA NÃO É A MINHA ESCOLA


Por: Odilon de Mattos Filho
Não é novidade para ninguém a importância da Escola, não apenas como instrumento de conhecimento teórico, mas também, como fator de sociabilidade, coletividade e na formação do cidadão como ser social.

As primeiras Escolas nos mesmos padrões das atuais surgiram na Europa no século 12, e aqui em terras tupiniquins surgiram com os primeiros jesuítas e “sob o comando de Padre Manoel da Nóbrega. A primeira escola elementar brasileira foi edificada em Salvador, tendo como primeiro mestre o Irmão Vicente Rodrigues que com apenas 21 anos se tornaria o primeiro professor nos moldes europeus a se dedicar ao ensino e à propagação da fé religiosa por mais de cinquenta anos...Já com a segunda Escola brasileira, o Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente foi inaugurado em 1553, onde se ensinou a falar, ler, e escrever o Português1

Pois, bem, depois de passados mais de cinco séculos da inauguração das nossas primeiras Escolas e das inúmeras mudanças na prática pedagógica, curricular, na formação dos educadores, etc. o ensino no Brasil pode passar agora, por uma profunda e catastrófica mudança. Foi aprovado na Câmara dos Deputados, pasme, em regime de urgência, ou seja, sem qualquer debate com especialistas no assunto, o texto-base do projeto de lei que regulamenta a prática da educação básica domiciliar, conhecida como homeschooling. Resumidamente, este projeto prevê que a educação básica, que compreende os ensinos infantil, fundamental e médio, possa ser realizada em casa sob a responsabilidade dos pais ou responsáveis legais pelos estudantes.

Este projeto é uma das principais bandeiras do atual governo que visa destruir os serviços e os servidores públicos e manter o status quo de uma elite escravocrata que teima em preservar a ignorância de um povo. Não à toa, que o festejado mestre Paulo Freire com muita propriedade diz que “seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de maneira crítica”. E realmente assiste razão ao grande e saudoso mestre, pois, este projeto de lei visa, dentre outras coisas, esse objetivo.

Sabemos que no mundo capitalista e nas sociedades aristocráticas os destinos das pessoas são traçados em seus berços. Uma minoria abastarda vai controlar o capital e o conhecimento e o restante – maioria - tem que disputar as migalhas deixadas por essa elite. Por essa razão, a Escola, especialmente, a pública, tem um papel fundamental para combater essa distorção social e mostrar, na prática, que todos os cidadãos são iguais e têm direitos iguais, independente de sua classe social, religião, gênero, ou raça e neste ambiente livre, coletivo e humanizado  construir uma cidadania ativa na qual se tem a oportunidade de ter uma visão libertária e revolucionária do mundo e a chance de se libertar das amarras e dos grilhões do conservadorismo e dos padrões impostos pelas elites. Por isso, que realmente, “a Casa Grande surta quando a senzala aprende a ler!”.

Aliás, só para corroborar o pavor que as elites brasileiras têm de um povo estudado e preparado intelectualmente, vale lembrar que somente depois de 434 anos do "achamento" do Brasil que o país foi ter a sua primeira Universidade moderna, baseada no tripé Ensino-Pesquisa-Extensão, que foi a Universidade de São Paulo fundada em 1934. Imagina o tempo que perdemos!

A propósito, comentando sobre este projeto de lei, o grande jornalista Paulo Moreira Leite, escreveu que “a escola doméstica enxerga a educação como uma extensão dos poderes familiares sobre as novas gerações. Numa visão benigna, pretende-se preservar crianças e adolescentes daquilo que, em sua visão, constituem as chamadas "más influências" e "más companhias"- que tanto podem envolver comportamentos alternativos em relação ao que se impõe em casa, como visões de mundo e projetos políticos que questionam a ordem vigente numa cidade, num país, quem sabe no planeta2”.

Mas, além destes aspectos filosóficos, antropológicos e sociológicos, não há a menor dúvida, também, de que este projeto de lei que regulamenta a prática da educação básica domiciliar, atenta contra as leis infraconstitucionais e contra a própria Constituição Federal. Aliás, o direito à educação como dever do Estado, já aparece, inicialmente, no artigo 6º CF/88, no rol dos direitos sociais. Já no artigo 205 está previsto que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho3”.

A propósito, o professor da UFMG, Carlos Roberto Jamil Cury assevera que “a educação escolar, pois, é erigida em bem público, de caráter próprio, por ser ela em si cidadã. E por implicar a cidadania no seu exercício consciente, por qualificar para o mundo do trabalho, por ser gratuita e obrigatória no ensino fundamental, por ser gratuita e progressivamente obrigatória no ensino médio, por ser também a educação infantil um direito, a educação básica é dever do Estado4”.

Neste mesmo sentido, o ex-Procurador da República, Rogério Tadeu Romano asseverou: “...O ensino domiciliar se distancia das leis vigentes por não suprir, em sua íntegra, as demandas educacionais normativamente impostas, dado que a educação é um direito social. É um verdadeiro “retorno à idade média”, significa uma convivência com a obscuridade e pode ser própria de Estados Totalitários que doutrinam as famílias na educação de seus filhos. E ainda pergunto: O que esperar de um ensino doméstico ministrado por famílias desajustadas? Nada...5

Por fim, vale alertar que mais um golpe contra a educação está sendo discutido hoje, dia 24/05/2022, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Trata-se da PEC 206/2019, que dispõe sobre pagamento de mensalidades em universidades públicas. O projeto é de autoria do deputado, general Peternelli (PSL/SP), mais um projeto que escancara o objetivo deste governo de acabar com os serviços públicos nos quais estão inseridos, também, as escolas e universidades públicas.

Portanto, fica claro a ofensiva da classe dominante que quer, cada vez mais, aprisionar o povo em sua ignorância para poder continuar o seu processo de dilapidação e pilhagem de nossas riquezas. Assim, cabe a nós ficarmos atentos e cientes de que o futuro da Nação está em nossas mãos, ou a barbárie e o obscurantismo com o negacionista de platão ou a civilidade e a democracia com as forças progressistas. Fiquemos atentos!

 



1Fonte:http://www.helb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=52:inicio-da-educacao-formal-no-brasil-durante-o-periodo-jesuitico&catid=1024:1549&Itemid=2. 

2 Fonte: https://www.brasil247.com/blog/objetivo-do-ensino-domestico-e-piorar-o-que-precisa-melhorar

3 Fonte: Constituição Federal de 1988

4 Fonte: http://www.scielo.br/pdf/cp/v38n134/a0238134.pdf

5Fonte: https://jus.com.br/artigos/88373/o-ensino-domiciliar-e-inconstitucional

 

0 comentários:

Postar um comentário