quinta-feira, 4 de junho de 2020

A ARMADILHA DA FRENTE AMPLA

Por: Odilon de Mattos Filho
Sempre defendemos a tese de que o golpe contra o Partido dos Trabalhadores e contra a democracia teve inicio com a Ação Penal 470, mais conhecida como “mensalão”. Aliás, ali tivemos o primeiro caso Lawfare com a aplicação, completamente distorcida, da “Teoria do Domínio do Fato” cuja vítima principal foi José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil do governo Lula. O restante da história nós conhecemos bem!

Com a posse de Michel Temer começa uma nova etapa da pesuda-democracia brasileira e junto reaparece a mesma narrativa lardeada há anos pelas elites quando estão diante de uma crise institucional: devemos nos unir e criar um pacto para a governabilidade e salvar o Brasil. E deu no que deu!

Após a fraudulenta vitória de Bolsonaro que foi apoiado por milicianos digitais, pelo empresariado brasileiro, banqueiros, rentistas, barões da mídia, sistema judiciário, PSDB, MDB, DEM, et caterva, todos entusiastas da política econômica do ministro da economia, Paulo Guedes e todos partícipes do golpe contra a presidente Dilma Rousseff e da condenação do presidente Lula, veio a grande e já sabida decepção com o governo Bolsonaro: envolvimento com milicianos, despreparo, atitudes autoritárias, preconceituosas, arbitrárias, irresponsabilidade com a coisa pública, negligência frente à Pandemia e agora com iminência de provocar uma ruptura institucional com desdobramentos inimagináveis.

E diante deste perigo e de mais uma grave crise institucional, eis que surge a mesma elite com a mesma cantilena: devemos manter a unidade, criar uma Frente Ampla e um pacto para defender a democracia e o povo brasileiro. Feito esse discurso, estes mesmos personagens partiram para ação:  cooptaram alguns desavisados da esquerda e criaram Movimentos e grupos nas redes sociais e começaram a espalhar vários manifestos Brasil afora e convocar o povo a se manifestar contra Bolsonaro.

Evidente que essas manifestações e o chamado para a unidade em defesa da democracia e contra o governo Bolsonaro são dignos de aplausos e reconhecimento, no entanto, está claro, também, que esse grupo está defendendo, apenas, os seus interesses políticos e econômicos e os fatos comprovam tal assertiva: por que em nenhum momento esse grupelho ou os manifestos questionam a política econômica de Paulo Guedes? Por que os manifestos, como, por exemplo, #TodosJuntos não pedem a saída do presidente Bolsonaro nem do Mourão,? Aliás, trata-se de um texto inominável! Por que não questionam os cortes nos direitos e conquistas da classe trabalhadora, como, por exemplo, as reformas trabalhista, previdenciária e os cortes com os gastos na saúde e educação e a revogação de tais medidas? Por que não defedem o SUS? Por que não questionam a dilapidação do nosso patrimônio? Por que não questionam a gritante ilegalidade do impeachment da presidenta Dilma Rousseff e o golpe contra a democracia? Por que não denunciam as arbitrariedades e ilegalidades que cercam os processos que condenaram o presidente Lula, especialmente, depois das revelações do The Intercept? A resposta é óbvia: alguns manifestos ou grupos, podem até manifestar desejo de tirar Bolsonaro, mas, não querem tirar o Guedes para não perder seus privilégios. Isso é claro, isso é fato!

A propósito, sobre essa Fente Ampla o presidente Lula disse:“...não dá pra aceitar a ideia de que o Bolsonaro é resultado de um processo amplamente democrático. Ele é resultado de um processo que se deu desde a cassação de uma presidenta sem crime. Agora perceberam que o troglodita que eles elegeram não deu certo... Estão querendo reeducar o Bolsonaro, mas não querem reeducar o Guedes. Tem pouca coisa de interesse da classe trabalhadora nesses manifestos...1”.

O ex-senador Roberto Requião foi mais incisivo em sua análise, disse: “...sob que guarda-chuva os defensores dessa frente ampla, irrestrita querem abrigar os brasileiros? Sob o guarda-chuva da defesa da democracia....Que democracia? A democracia do mercado? A democracia da prevalência do capital financeiro sobre os interesses nacionais e populares, sobre a produção, o emprego, o salário, os direitos trabalhistas e a previdência social?... o ministro da economia de vocês, em um hipotético governo de união nacional, seria o Guedes mesmo? Ou, para não escandalizar tanto os seus acompanhantes que se dizem à esquerda, vocês se contentariam com o Armínio Fraga, o Lara Rezende, alguém do Itaú ou do Bradesco..?2

Por sua vez, o brilhante jornalista Fernando Brito escreve que “....o primeiro passo para a formação de uma frente com coerência é que dela não sejamos partes apenas individuais, mas como parte das instituições da democracia que queremos defender: partidos, sindicatos, associações, todas as representações que formam uma sociedade madura.... A formação de uma frente, necessária e imprescindível, jamais se fará com a perda de identidade. CUT e Globo não são iguais; Fernando Henrique e Lula não são iguais. PT e MBL não são o mesmo. João Dória e Guilherme Boulos, muito menos....3

E realmente nós conhecemos muito bem essa história de Frente Ampla! Evidente, como afirmamos acima, que temos consciência da importância de uma unidade pontual, especialmente, neste momento, porém, como bem nos ensina o Professor Valério Arcary, Doutor em História pela USP “...há uma diferença enorme entre a unidade de ação pontual e uma Frente Ampla sobre um programa. A primeira é uma alavanca, a segunda uma armadilha. A primeira é, estritamente, defensiva. A segunda envolve uma perspectiva..4”.

Dessa forma, entendemos que a esquerda não pode e não deve cair, novamente, na armadilha de uma Frente Ampla criada por uma súcia que outrora vendeu o país, foi cúmplice e partícipe de um golpe arbitrário e ilegal e responsável pela eleição desse déspota. A estratégia da esquerda, como sabidamente afirma o já citado Professor, deve ser a de “...resgatar da experiência histórica a necessidade da Frente Única de Esquerda, operária e popular para derrotar o neofascismo. Ela é indivisível da perspectiva de um governo de esquerda e associada a ela, desdobram-se várias táticas..O fato é que nenhuma fração da classe dominante merece confiança...5.”

Portanto e diante de tudo isso, a esquerda, pela experiência acumulada ao longo dos anos e considerando o atual momento político, social e econômico do país, não pode errar mais e por essa razão, não deve deslumbrar-se com os holofotes midiáticos e cair nessa armadilha da Frente Ampla criada por grupelhos golpistas e entreguistas na forma em que está sendo proposto. Todo o cuidado é pouco!

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