terça-feira, 24 de setembro de 2019

A LEI DO ABATE ESTÁ EM PLENO VIGOR NO BRASIL

Por: Odilon de Mattos Filho
É sabido que a questão da violência é um dos grandes gargalos que o Brasil enfrenta desde o seu descobrimento. É igualmente conhecido, que a gênese dessa violência urbana e rural está na má distribuição de renda (o brasil tem a maior concentração de renda do mundo entre o 1% mais rico) e na falta de eficazes politicas públicas em prol das camadas menos favorecidas da sociedade. 

Por outro lado, há que se reconhecer que a política de segurança pública passa, também, por ações preventivas e ostensivas. No entanto, para que essas ações sejam plenamente efetivas somos pelo entendimento de que são decisivas duas medidas: a criação de um órgão nacional de inteligência com pesados investimentos em tecnologia, remuneração digna e preparo profissional de excelência para os agentes públicos e a imediata unificação e desmilitarização das policias. 

No Brasil, as forças de segurança são assim dividas: as nacionais englobam a Polícia Federal, Rodoviária e Ferroviária e as estaduais as polícias militares e civis. A Polícia Militar é como se fosse uma reserva das Forças Armadas, tanto, que está subordinada à Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), órgão do Exército, criado em 1967 e regulamentada pela CF/88, o que pode explicar a violência que, ainda, permeia em boa parte das corporações que carregam nas suas formações os velhos e abomináveis resquícios do regime militar. 

Já escrevemos neste espaço que as politicas de segurança pública no Brasil, assim como todo o seu aparato que é o Sistema Judiciário Brasileiro estão completamente falidos, carcomidos e corrompidos. As atuações das polícias demonstram o despreparo e a completa inoperância do Estado na defesa do cidadão de bem. Já as revelações do site The Intercept comprovam às barbáries e arbitrariedades cometidas por procuradores e juízes na operação Lava-jato e a leniência das instâncias superiores do judiciário diante desse arbítrio corrobora a falência do sistema. É a justiça encarcerada e o direito amordaçado, como diz o Rev. Eduardo Henrique.

Segundo Relatório da Anistia Internacional a polícia brasileira é a mais violenta e a que mais mata no mundo e os alvos, majoritariamente, são jovens, pobres e negros. Só para ilustrar, apenas no Rio de Janeiro, 99,5% das pessoas assassinadas por policiais são homens, dos quais 80% negros e 75% deles entre 15 e 29 anos. Já o Instituto de Segurança Pública disse que a polícia militar nunca matou tanto como está matando em 2019. Somente em agosto, a polícia matou cinco pessoas por dia, segundo relatório da Humans Right Watch.

Com a eleição de Bolsonaro e seus asseclas, os governadores, Wilson Witzel do RJ e João Dória de SP, estamos vivenciando o recrudescimento dessas políticas fascistas e o vertiginoso aumento da violência institucionalizada e alimentada por suas próprias autoridades máximas. E os exemplos são vastos. Começamos com o presidente Bolsonaro: “[O policial] entra, resolve o problema e, se matar 10, 15 ou 20, com 10 ou 30 tiros cada um, ele tem que ser condecorado, e não processado”. Nessa mesma linha seguem os governadores do RJ e SP. O psicopata Wilson Witzel do RJ disse aos policiais: "Não merece viver aquele que não tirar o fuzil do tiracolo". Já o mauricinho João Dória de SP disse: "Não façam enfrentamento com a Polícia Militar nem com a Civil, ou se rendem ou vão para o chão".

Frente a esses discursos, o que não podemos é nos iludir achando que são retóricas, pois, na verdade fazem parte de uma macabra estratégia destes governos cujo objetivo é banalizar de forma contínua a violência e desumanizar a pessoa, tornando-a apática, acomodada e impotente frente a essa selvageria institucional. Com isso esses governos bonapartistas imprimem a sua hegemonia e se encorajam para voos mais altos e perversos. Por essa razão todo cuidado é pouco para não cairmos nessa armadilha. Aliás, Nietzsche já nos chamava atenção quando dizia que, “aquele que luta contra monstros deve acautelar-se para não se tornar, também, um monstro, porque quando se olha muito tempo para um abismo esse abismo olha para você”.

E parece mesmo que esses tiranos estão ganhando terreno. Aliás, a Anistia Internacional já previa essa situação com a vitória de Bolsonaro e o risco real para os direitos humanos no Brasil. Disse a Diretora Executiva da Anistia Internacional no Brasil Jurema Werneck: “acompanhamos seu governo [Bolsonaro] de perto e, infelizmente, estamos começando a ver que nossas preocupações eram justificadas: o governo Bolsonaro adotou medidas que ameaçam os direitos à vida, saúde, liberdade, terra e território dos brasileiros que vivem em áreas urbanas. ou áreas rurais, simplesmente querem viver suas vidas com dignidade e livres de medo. Essas são medidas que podem afetar milhões de pessoas e, a nosso ver, um país justo não exclui seus cidadãos. Um Brasil justo é um Brasil para todos 1”. 

E realmente assiste razão à Diretora Executiva da Anistia Internacional. As políticas públicas dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, por exemplo, são retratos vivos dessa dantesca realidade de um Estado policialesco, inoperante, covarde e assassino. São Paulo está marcado por chacinas praticadas pela Polícia Militar em nome da segurança pública e no Rio de Janeiro já são inúmeros casos de assassinatos de trabalhadores, jovens, cidadãos de bem e de crianças indefesas. O último e terrível caso foi o bárbaro assassinato da pequena Ághata Vitória Sales Felix de apenas oito anos de idade alvejada pela mão do Estado quando estava no interior de um veículo. É a quinta menina assassinada dentre dezesseis alvejadas por “bala perdida” somente em 2019. Realmente são números estarrecedores que demonstram, não apenas a falência do sistema, mas a crueldade e a brutalidade desta “política de extermínio” implantada no estado do RJ. 

A propósito, sobre esse bárbaro crime, citamos os comentários do insuspeito Reinaldo Azevedo. Diz o jornalista: "Tenho a esperança de ver Wilson Witzel e seus cúmplices serem julgados pelo Tribunal Penal Internacional por crimes e agressões contra a humanidade, já que o se vê por aqui, em terras nativas, é uma soma de cumplicidade com alienação..2” 

Por sua vez, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados vai acionar a ONU. Segundo o presidente da Comissão, Deputado Helder Salomão (PT/ES) “Não se pode assistir a morte de uma criança e achar normal. Ver notícias de assassinatos de jovens e achar normal. Avalio que tem um erro na orientação do governo do Rio de Janeiro, e o modelo de segurança pública em vigor não combate o crime, gera o caos e tira a vida de pessoas inocentes. O momento atual é grave, por isso solicitamos um parecer da relatora especial das Nações Unidas para execuções extrajudiciais Agnes Callamard.3

E a grande aberração que envolve essa violência estatal é o fato do governo em vez de criar mecanismos ou projetos para coibi-la, ao contrário, quer recrudescer essa selvageria e proteger quem a pratica. É o caso, por exemplo, do “Pacote Anticrime” do ministro Sérgio Moro. Este Projeto de lei, dentre outras estupidezes, prevê o abrandamento das punições para os agentes públicos e amplia a “excludente de ilicitude” em prol dos mesmos, ou seja, é carta branca para a polícia matar pretos e pobres. 

Aliás, sobre este projeto Reinado Azevedo diz que "tudo indica, que a estrutura nacional de combate a crimes praticados por agentes de Estado se mostra incapaz de coibir uma política de segurança pública fanaticamente homicida. Pior: o governo federal, por meio de seu ministro da Justiça, Sergio Moro, quer legalizar [Pacote Anticrime] o assassinato sistemático dos pretos de tão pobres e pobres de tão pretos4". 

Evidente que aqui não se trata de esculhambar a pessoa do policial, até porque, ele também é vítima desse sistema, pois, além de mal remunerado e despreparado, está preso a um Estatuto e Regulamento Disciplinar arcaico e absolutista que o obriga a cumprir ordens doidivanas de seus superiores hierárquicos, como por exemplo, morrer ou matar. Portanto, o que estamos analisando são tão somente essas desastrosas, fascistas, ineficazes e criminosas violências do Estado que já ultrapassou todos os limites da tolerância e da civilidade, mas que as autoridades constituídas tentam nos vender como Política de (in)segurança pública, quando na verdade o que estamos assistindo e a aplicação da nefasta "Lei do Abate". Chega! Não podemos e não devemos nos calar diante de tanto arbítrio cometido pelas mãos do Estado contra o cidadão e cidadã de bem!




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