sexta-feira, 5 de outubro de 2018

DIA 05 DE OUTUBRO: FESTEJAR OU NÃO OS TRINTA ANOS DA CARTA CIDADÃ?


Por: Odilon de Mattos Filho

Certamente, a maioria do povo brasileiro tem conhecimento dos vinte e cinco anos da cruel ditadura militar que se instalou no Brasil a partir do dia 1º de Abril de 1964 e que dentre outras atrocidades, retirou do povo brasileiro a liberdade de pensamento, expressão, a liberdade de imprensa e as bárbaras ações de torturas, assassinatos e/ou desaparecimento de centenas de cidadãos durante todo esse obscuro e longo período de um Estado usurpador. 


Encerrada a ditadura militar em 1985 e depois de rejeitar a Emenda Constitucional das Diretas Já, a Câmara dos Deputados formou um Colégio Eleitoral e com quatrocentos e oitenta votos elegeu o mineiro Tancredo Neves (MDB) e José Sarney (PFL) como Presidente e vice-presidente do Brasil, instalando o que se denominou de governo de transição.

Logo depois dessa eleição, o presidente eleito Tancredo Neves, antes de sua posse, foi internado no Hospital de Base de Brasília para realizar uma cirurgia de emergência e estranhamente faleceu em virtude de uma infecção generalizada, tomando posse em seu lugar o vice-presidente José Sarney.

Empossado José Sarney e cumprindo uma das promessas da Aliança que elegeu Tancredo Neves o vice-presidente convocou no dia 28 de Junho de 1985 a Assembleia Nacional Constituinte para elaborar a nossa oitava Constituição Federal

Convocada a Constituinte e eleitos os deputados, pelo voto direto do povo brasileiro, instalou-se no dia 1º de fevereiro de 1987 a sessão solene da Assembleia Nacional Constituinte, iniciando-se os trabalhos da elaboração da nova Carta Magna do Brasil. Depois de um ano de trabalho e de inúmeros debates, inclusive, com a sociedade organizada, o Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulisses Guimarães promulgou no dia 05 de Outubro de 1988 a tão esperada Constituição da República Federativa do Brasil, dizendo:”...O Estado autoritário prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia, libertou e repatriou. A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram. Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas-já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador. Termino com as palavras com que comecei esta fala: a Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra e a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: Mudar para vencer! Muda, Brasil!1” 

Não há dúvidas de que a nossa Constituição possui consideráveis avanços e conquistas. O Preâmbulo, o primeiro e o segundo Títulos da Constituição denominados de Princípios Fundamentais e de Direitos e Garantias Fundamentais do Cidadão são emblemáticos e ratificam esses avanços, tanto, que a Constituição ganhou o nome de “Carta Cidadã”. 

A propósito, e buscando fundamento deste nosso entendimento, valhamo-nos dos ensinamentos do festejado constitucionalista Italiano, Luigi Ferrajoli que disse que a nossa Constituição tem a característica do garantismo, próprio do constitucionalismo da terceira geração, e explicando essa particularidade, o Professor Ferrajoli nos ensina que “se as constituições do século XIX, dos Estados liberais, era um freio ao poder do Estado, as constituições atuais são um passo à frente. São textos que criam, além de limites para ao poder estatal, obrigações políticas em relação aos cidadãos2”. 

Mas, mesmo diante desta particularidade de vanguarda da nossa Carta Magna e chegando aos trinta anos de sua promulgação uma pergunta nos inquieta: há o que festejar? 

Na nossa modesta opinião, como afirmamos anteriormente, são inegáveis as conquistas que essa Constituição trouxe ao povo brasileiro. No entanto, malgrado esses avanços, muitos deles se tornaram letras frias no papel, longe, mas muito longe de se traduzir em benefícios concretos ao povo brasileiro. Mas, não obstante esse descompasso, é forçoso salientar outro aspecto tão ou mais grave, que são os flagrantes atentados à nossa Magna Carta por parte daquelas instituições que deveriam, protege-la, respeitá-la e aplicá-la, como é o caso do Sistema Judiciário Brasileiro, em especial, o Supremo Tribunal Federal que tem essa precípua missão esculpida no artigo 102, estabelecendo que: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”. 



Mas não obstante essa previsão constitucional, o que temos acompanhado, especialmente, a partir do golpe político/jurídico/midiático que teve início com a Ação Penal 470 é que esses atentados à Constituição que, diga-se de passagem, são fortemente criticados e rechaçados por inúmeros e renomados juristas pátrios, ficaram mais claros após as instaurações dos inquéritos e processos cujos objetos são as investigações da Operação Lava-jato. A condução dos processos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas mãos sujas do juizeco Sérgio Moro são emblemáticos e ratificam tais afirmações. 

Aliás, mesmo com os sábios ensinamentos do ilustre jurista Ferrajoli que mostrou o caráter garantista da nossa Constituição Federal, o que temos assistido nesta última década, são os nobres ministros da Suprema Corte, com raras e honrosas exceções, entorpecidos pelos holofotes midiáticos, pela opinião publicada e movidos por paixões ideológicas e por interesses nada compatíveis com o cargo que exercem, se sucumbirem e como num passo de mágica, de notórios e fervorosos “garantistas” se transformarem em implacáveis e destemidos “punitivistas”, e com essa visão anacrônica vêm, sistematicamente, burlando e utilizando-se de abjetas manobras interpretativas da Carta Maior, afrontando de forma aberta a hermenêutica, em especial, dos Elementos Histórico, Sistemático e Teológico utilizados para se interpretar uma Constituição. Na verdade esses servidores públicos, como bem assinalou o jornalista Luis Nassif são a expressão do Macunaima! 

A propósito, comentando essa mutação dos nobres ministros da Suprema Corte, os ilustres mestres, Gilberto Bercovici, Martonio Mont’Alverne Barreto Lima e Enzo Bello, pontuaram:”...Uma das práticas recorrentes tem sido a utilização do instituto da mutação constitucional como estratégia de burla ao processo democrático e de reescrita da Constituição por magistrados não eleitos, sem mandato nem controle social democrático tem sido usada no sentido contrário da própria Constituição: não para atualizá-la; mas exatamente fazer com que retroceda no seu projeto desenvolvimentista, dirigente e garantista; pervertendo até mesmo o sentido original da mutação constitucional. O caso da garantia constitucional da presunção da inocência (art. 5o, LVII) é emblemático da destruição do texto constitucional pelo STF, sob a justificativa da “mutação constitucional”. Não houve mutação constitucional alguma, houve quebra constitucional, uma violação explícita da Constituição de 1988”. 

Mas, se não bastasse essa pequenez das instituições acima citadas com relação ao descumprimento da Constituição Federal, outro fato que reputamos gravíssimo vem rondando a nossa debilitada democracia. Estamos falando da ameaçadora e temerária entrevista do general Mourão, vice-presidente do candidato Bolsonaro que afirmou, que se eleita a sua chapa, vai propor a revogação da atual Constituição para que seja outorgada uma nova Carta que deverá ser elaborada por um grupo de “notáveis” escolhidos pelo governo, ou seja, é uma clara ameaça de atentado ao Estado Democrático de Direito. Por essa razão, entendemos que se faz imperioso que o povo se conscientize da gravidade do momento, pois, essa possibilidade de vivermos um Estado de Exceção é cada vez mais real e plausível. A única chance de se barrar esse retrocesso é votando, nessas eleições, contra essas forças obscurantistas que prega a barbárie. 

Assim e voltando à pergunta se há algo a comemorar neste aniversário de trinta anos da nossa Constituição Federal, entendemos que sim. Porém, somos favoráveis à convocação de uma nova Constituinte exclusiva e eleita pelo povo brasileiro para aprimorar e modificar alguns dispositivos da nossa Carta Maior, como, por exemplo, à reforma tributária, política, dos meios de comunicação e do sistema judiciário. O que não há nada a celebrar e sim a rechaçar são essas ideias fascistas e conservadoras e o comportamento apequenado, covarde, vil e omisso dos servidores do Sistema Judiciário que se transformaram em contumazes violadores e estupradores da nossa balzaquiana Magna Carta. Viva a democracia!









1 Fonte: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25-anos-da-constituicao-de-1988/constituinte-1987-1988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20-%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf 
2 Fonte: https://www.conjur.com.br/2013-out-16/constituicao-brasileira-avancadas-mundo-luigi-ferrajoli 

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