terça-feira, 11 de setembro de 2018

“FÉ CEGA, FACA AMOLADA”


Por: Odilon de Mattos Filho
Sabemos que a punição divina é quase que um axioma das religiões desde que o mundo é mundo. A música “Fé cega, faca amolada” de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos deixa de maneira implícita essa verdade que para o escritor Roberto Darte é uma “visão tirânica de Deus oriunda da compreensão que os próprios seres humanos têm de si próprios. As noções de vingança, de ira, de perversidade são humanas, não divinas. Só uma mente doentia para usar fundamentos religiosos ou espirituais como desculpas para massacrar seus semelhantes. A fé cega é, sim, uma faca amolada, pronta para cortar e foi em nome dessa fé que houve na Idade Média uma intensa caça às bruxas e uma verdadeira carnificina aos considerados hereges. Em nome deste mesmo tipo de fé homens-bombas espalham ódio e terror nos quatro cantos do planeta..1” 

No dia 06 de setembro, véspera do dia da Independência do Brasil, na cidade de Juiz de Fora/MG, coincidentemente, onde nasceu o golpe militar de 1964 o candidato a presidente da republica Jair Bolsonaro (PSL/RJ), em campanha pela cidade foi, covardemente, esfaqueado por um cidadão chamado Adélio Bispo de Oliveira, mineiro de Montes Claros e portador de grave desequilíbrio mental. 

Segundo vídeos veiculados nas redes sociais, Adélio afirma às autoridades policiais que cometeu o atentado porque “quem mandou foi o Deus aqui em cima2”. Uma declaração clara de um fanático religioso e de uma pessoa nitidamente desequilibrada mentalmente, portanto, longe, mas muito longe, de ser um atentado político! 

Logo após esse lamentável episódio, vieram as escandalosas e abjetas manipulações com a tentativa de vincular o atentado como crime político cometido pelo PT ou por outras forças de esquerda, como sugeriram a demente advogada Janaína Pascoal, e o senador Magno Malta (PR-ES) que, segundo o jornalista Marcelo Auler, “usaram a imagem de um comício de Lula, em uma foto montagem no Twitter e nela, de forma grotesca, inseriram o rosto de Adélio sobre outro rosto na expectativa de colarem não o rosto, mas o personagem ao candidato petista..3” Mas, além destes personagens o deputado federal Fernando Francischini, delegado da PF licenciado e o vice de Bolsonaro, General Mourão, tentam, também, evolver o PT nesse episódio. 

Realmente esse atentado, que repudiamos de pronto, não feriu apenas o candidato Bolsonaro, mas, também a democracia, deixando explícito o grau de incivilidade, intolerância, ódio e violência que tomou conta do país depois das manifestações que culminaram no impeachment da presidente Dilma. Aliás, vale ressaltar, que todo esse ódio é tão somente por conta da revolução social iniciada pelo presidente Lula e que atingiu os interesses das elites e do capital nacional e internacional, que sabedores das dificuldades eleitorais reagiram com o golpe contra a presidenta Dilma e disseminaram a violência, o ódio e a intolerância, estratégia essa, que foi, rapidamente, recepcionada pelos barões da mídia e pela direita conservadora que tem como sua maior expressão o candidato Jair Bolsonaro e seu discurso impregnado de ódio, preconceito, violência e intolerância. Deu no que deu! 

Aliás, sobre esse discurso de ódio, violência e intolerância defendido pelo capitão Bolsonaro, o judicioso  o Procurador aposentado do Estado do Rio Grande Sul, Jacques Távora Alfonsin escreveu: “..De arma na mão o agressor de Jair Bolsonaro seguiu-lhe o conselho. Além de fazê-lo vítima de si próprio, demonstrou todo o perigo presente na sua destemperada campanha, servindo para avisar suas/seus eleitoras/es sobre o comando de quem pretendem submeter o Brasil e o seu povo...4"

A propósito, sobre a incitação de violência vale recordarmos, até mesmo para contextualizar o momento, do pronunciamento da senadora Ana Amélia, vice de Geraldo Alckmin que quando do ataque a tiros sofrido pela caravana do Lula no sul do país, a senadora regozijou-se dizendo que “levantar o relho, o rebenque, não é violento. Quero cumprimentar as cidades do sul “que botou a correr aquele povo que foi lá, botando um condenado para se queixar da democracia”. Atirar ovos, levantar o relho, levantar o rebenque para mostrar o Rio Grande, para mostrar onde estão os gaúchos5”.

Fica evidente que esse episódio pode ter consequências danosas para a sociedade, pois, o mesmo pode se transformar em um álibe para colocar em cheque a própria eleição e a nossa democracia, pelo menos é o que se avizinha com as declarações e ações dos últimos meses. A conduta do sistema judiciário brasileiro contra o presidente Lula é emblemática para ilustrar este perigo, a começar pelo descumprimento das decisões do Comitê de Direitos Humanos da ONU do qual o Brasil é signatário. 

Hoje não é mais um juizeco de primeira instância a cometer aberrações e anomalias jurídicas como acontece com o processo do presidente Lula, onde até os depoimentos e vazamentos para imprensa, obedecem à pauta e o tempo político, a delação de Palocii é um exemplo, o ex-ministro depôs em junho, mas, somente agora, no calor das eleições, foi vazado à Rede Globo. O sistema judiciário apequenou-se e perdeu o pudor, um escândalo! Mas, essa postura partidarizada e parcial da justiça não se retringe apenas à primeira instância, lamentavelmente, já chegou a mais alta corte do país. O voto e as draconianas decisões posteriores do ministro do STF/TSE, Luiz Roberto Barroso e da maioria de seus pares, corroboram esse atentado, não apenas contra o presidente Lula, mas, também, contra a democracia. O "judicioso" ministro Barroso teve o desplante de criar o trânsito em julgado do que, ainda, está sub judice, além, das aberrações com as censuras impostas à propaganda eleitoral da coligação "O Povo Feliz de Novo" (Haddad e Manuela) o que lhe valeu o apelido de Dona Solange de toga,  diretora do Departamento de Censura da PF na época da ditadura militar. 

Em consonância com todo esse ataque dos homens de togas contra as forças progressistas, eis que surgem também no front, os homens de fardas: um de pijama verde oliva e o outro da ativa com farda, também, verde oliva. O primeiro é o general Mourão vice de Bolsonaro, o mesmo que chamou de "herói" o covarde torturador, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra  e que defende uma nova Constituição, sem voto, elaborada por uma comissão de notáveis. Não é por menos que nas sábias palavras do colunista Roberto Bueno, Mourão "encarna o espectro contemporâneo que emerge das obscuras salas de tortura que infestaram o Brasil durante os anos da ditadura militar, encarnando a promessa de atualizar este passado de imposição de dor e pavor sobre tantos corpos de homens e mulheres..6” 

Já o general Villas Boas comandante do exército brasileiro vem sendo mais incisivo com suas opiniões totalmente despropositadas e entrevistas descabidas, como, por exemplo, a sua última entrevista na qual ameaçou uma ruptura democrática e meteu o seu bedelho no processo eleitoral expondo de forma clara o veto à candidatura de Lula cujo processo está, ainda, sob a apreciação do judiciário e tem a seu favor três decisões do Comitê de Direitos Humanos da ONU contrário ao que defende o comandante do exército. 

Aliás, sobre essa posição do general Villa Boas o jornalista Paulo Moreira Leite, escreveu: “O veto a Lula representa um retorno ao projeto tacanho e autoritário de várias gerações de comandantes militares que tiveram um triste papel em nossa história política...Ao se engajar a fundo na defesa de uma medida que fere os princípios democráticos, insulta uma parcela crescente de brasileiros e compromete a presença do país no cenário internacional, Villas Boas compromete as Forças Armadas num escândalo jurídico-político comparável ao caso Dreyfus, que mobilizou a França no início do século XX e marcou a luta pelos valores democráticos em nosso tempo. A postura de Vilas Boas pode até lhe valer gestos interesseiros de simpatia e reverência, mas está condenada pela experiência histórica que envolve a luta universal entre democracias e ditaduras..7” 

Neste mesmo diapasão, o Partido dos Trabalhadores emitiu uma dura, incisiva e necessária Nota de Repúdio às ameaças do general. Diz parte da Nota: “...É uma manifestação de caráter político, de quem pretende tutelar as instituições republicanas. No caso específico, o Poder Judiciário, que ainda examina recursos processuais legítimos em relação ao ex-presidente Lula…É muito grave que um comandante com alta responsabilidade se arrogue a interferir diretamente no processo eleitoral, algo que as Forças Armadas não faziam desde os sombrios tempos da ditadura...Depois de dizer quem pode ou não pode ser candidato, de interpretar arbitrariamente a lei e a Constituição o que mais vão querer? Decidir se o eleito toma posse? Indicar o futuro presidente à revelia do povo? Mudar as leis para que o eleitor não possa decidir livremente? O Brasil já passou por isso e não quer voltar a este passado sombrio...8”.

A propósito, se o general Villas Boas fosse das Forças Armadas do Uruguai já estaria preso por insubordinação, como ocorreu recentemente com o comandante do Exército do Uruguai, Guido Minini Rios que emitiu opiniões sobre um projeto de lei que trata da nova Lei Orgânica das Forças Armadas. O general foi detido por trinta dias por determinação do presidente da república Tabaré Vázquez, por descumprir preceito constitucional. Aliás, no Brasil o presidente FHC baixou o Decreto nº 4.346/2002 que Aprova o Regulamento Disciplinar do Exército, e no item 57 do Anexo I está previsto: “Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária;” E de acordo com este Decreto, o general Villas Boas poderia ser advertido, detido ou até mesmo excluído a bem da disciplina, o problema que no Brasil o presidente da república é refém das fardas e das togas.

Diante de tudo isso, fica claro que o momento é muito sombrio e requer firme atenção dos trabalhadores e das forças populares e democráticas do país, pois, esse atentado contra o candidato da extrema direita, Jair Bolsonaro pode deflagrar atentados que atingirão toda a sociedade, especialmente, se Bolsonaro falecer, nao participar da campanha, ou se Fernando Haddad ou até mesmo Ciro Gomes vencerem as eleições. A ruptura democrática com um novo golpe é uma possibilidade real, mesmo porque, se contextualizarmos a música de Milton Nascimento a fé cega pode ser a fé no fascismo ou no “deus” mercado e a faca amolada pode ser a caneta do magistrado ou a baioneta do militar. Todo cuidado é pouco!



     













2 Fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/quem-mandou-foi-deus-aqui-em-cima-diz-preso-por-ataque-bolsonaro-23048601
3 Fonte: https://marceloauler.com.br/juiz-de-fora-vas-tentativas-de-envolver-o-pt/
4-Fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-violencia-e-a-garantia-unica-de-seguranca-questiona-procurador-sobre-bolsonaro/
5-Fonte:http://www.socialistamorena.com.br/casa-grande-senadora-ana-amelia-defende-chicote-contra-apoiadores-de-lula/
6Fonte:https://www.brasil247.com/pt/colunistas/geral/368270/O-general-Mour%C3%A3o-e-a-amea%C3%A7a-militar.htm 
7-Fonte: https://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/368273/Veto-militar-a-Lula-%C3%A9-um-risco-para-todo-o-pa%C3%ADs-%E2%80%93-inclusive-para-Ex%C3%A9rcito.htm
8- Fonte: https://www.revistaforum.com.br/pt-repudio-a-tutela-militar-sobre-a-democracia/


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