Reproduzimos abaixo uma excelente
matéria postada no site “Tijolaço” (http://www.tijolaco.com.br)
O MP tem sido o grande representante do fascismo no Brasil.
Por Brenno Tardelli
Imperdível o corajoso artigo do
jornalista e advogado Brenno Tardelli, diretor de redação do site jurídico Justificando. Vai ao
ponto: “a guerra contra a corrupção esconde outra motivação preocupante:
o sequestro da política pelo poder Judiciário”.
“A
única consequência possível de um povo que vibra com sangue e ódio é o
adoecimento de suas instituições. Uma delas é o Ministério Público, o qual, em
tese, fala pela sociedade brasileira supercampeã em desigualdade social,
discriminação racial, de gênero e outras mais variadas formas.
Como
porta-voz dessa sociedade nas relações processuais, o MP tem prestado um
excelente serviço em todos escalões – de Cabrobó até Brasília, o posicionamento
da instituição caminha no sentido de ser o mais reacionário possível, inclusive em
respostas exigidas nos concursos para ingresso na carreira[1].
Não
são raras as vezes que o Ministério Público opta pelo senso comum que repudia a diferença. Um exemplo
paradigmático foi quando, no julgamento da descriminalização das drogas, o
chefe da instituição Rodrigo Janot naturalizou o chorume de comentários na rede
social e foi além de todos que se posicionaram contra: passou a
inventar dados. Disse, entre outras desinformações, que 90% das
pessoas que fumam maconha se viciam; não satisfeito, segundo ele, basta fumar
uma vez para que a pessoa se torne dependente química. Parece brincadeira de
péssimo gosto, mas foi o argumento encontrado pela autoridade máxima da
instituição.
Quando
a desinformação e
autoritarismo rendem aplausos, as prioridades mudam. Em tempos de chacina de 19 pessoas pela
polícia, o ouvidor da corporação paulista do Estado elencou alguns
motivos para que a PM assassinasse tanta gente com tamanha naturalidade. Um
deles: policiais acusados de matarem são sistematicamente
alvos de pedidos de absolvição pelo Ministério Público. A mesma
conclusão foi da Human Rights Watch, a qual analisou a atuação policial no Rio de
Janeiro e percebeu
que “há má vontade do Ministério Público em investigar esses casos e que
normalmente as investigações só avançam quando há interesse social e pressão
por parte da mídia”
O
Delegado de Polícia Orlando Zaccone percebeu a mesma coisa e foi na sua tese de
Doutorado pesquisar como promotores e promotoras fundamentavam
o pedido de arquivamento de casos em que quem está no
banco dos réus não é um dos p’s (pobre, preto e puta), mas sim um policial. Em
entrevista ao Justificando, ele esclareceu,
basicamente, os porquês dessa benevolência: o fundamento basicamente tem a
grande pergunta do auto de resistência: não como a polícia agiu, mas quem ela
matou. Então, completada a figura do inimigo, isto é, o traficante de drogas, e
esse fato ocorrendo dentro de favelas, de guetos, isso é colocado na escrita
dos promotores de justiça como elementos a justificar a morte.
Então
é o seguinte: o Ministério Público é benevolente apenas e tão-somente com
policiais militares, pois entende que por trás de cada assassinato há algo que
o justifique, ou, ainda que não haja, “matar bandido” é necessário. Uma das premissas
fascistas é o arbítrio e a naturalidade com as quais as instituições lidam com
a violação maciça de direitos humanos, em especial, se o alvo for um inimigo
público. E em um país desigual e racista, não há inimigo maior do que o jovem negro da periferia.
Se
esses jovens não são violados pela omissão do Ministério Público no
controle da polícia que mais mata no mundo, são enviados para nossos
presídios, a masmorra contemporânea, muito por conta de uma lei de drogas
racista, cuja principal razão de existir é encarcerá-los, sob
o protagonismo do Ministério Público de acusar e brigar pela prisão a todo
custo, contra qualquer forma de liberdade.
Fascismo vive de inimigos a serem combatidos. O Ministério
Público sabe disso melhor do que ninguém.
Pela
unidade da nação, que entrega sua liberdade em nome de um bem maior, a existência de um inimigo interno é a melhor coisa que
uma instituição que descambou para o fascismo poderia desejar. Atualmente, além
do jovem pobre, o inimigo atende pelo nome de político corrupto.
O
termo é uma pegadinha, na verdade. Não são corruptos todos
os políticos que percebem uma vantagem financeira indevida, mas
especificamente políticos de um determinado partido – o PT. É curioso que o
partidarismo do MP seja sempre rebatido por analistas simpáticos à instituição
toda vez que um cacique do PSDB sofre um processo judicial. Tá
vendo? – desafiam. Para eles, digo que falta o recorte de classe
na análise: promotores e promotoras de justiça vêm de famílias elitizadas,
além de perceberem um salário de classe média alta. São pessoas que reproduzem
a opinião política majoritária na elite econômica, filiada no país ao
PSDB.
Por
isso promotores são tão vorazes contra “corruptos” do PT e políticos de
demais partidos que representem a imagem e o voto do pobre, do evangélico,
do incauto; em parceria com a magistratura, que sofre do mesmo mal, conseguem a
liminar para prejudicar os planos do partido em um dia (alguém lembra do pedido de prisão baseado em Marx e
Hegel?). Contudo, quando um helicóptero cheio de
cocaína é descoberto, bem, aí não acontece nada mesmo – há outras razões
para o partidarismo, além do recorte de classe. Processo em face de tucanos rende menos mídia
e menos tapinha nas costas nas confraternizações, por exemplo.
Então
está feito o disclaimer. Político corrupto é uma categoria bem específica,
mas é capaz de “unir” o país a ponto de milhões de pessoas ocuparem as
ruas nas mais variadas cidades e aplaudirem quem está combatendo esse inimigo.
No caso do Judiciário, Sérgio Moro e os Procuradores do Ministério Público
Federal ganharam tamanho empoderamento e capital político a ponto de reunir dois milhões de assinaturas pelas 10 medidas contra
a corrupção.
Um
pouco diferente da batalha contra o jovem periférico, a guerra contra a
corrupção esconde outra motivação preocupante: o sequestro da política
pelo poder Judiciário – entendidos nesse contexto como magistratura e
ministério público. A Judicialização da política é ainda mais preocupante
quando os juristas não escondem uma preferência partidária, muito
menos o gosto agridoce do poder.
Voltando, 10
medidas contra a corrupção é, de fato, um ótimo nome para um projeto de lei.
Quem seria oposição a 10 medidas contra a corrupção? O Procurador que percorre
o país na defesa delas é bem arrumado, tem gel no cabelo penteado para o lado e
sorriso bobo. Verdadeiro menino bom. Ocorre que por trás de tanta bondade,
reside um projeto de lei que rebaixa o Habeas Corpus, legaliza prova ilícita,
reduz a prescrição, cria crimes cuja prova deve ser feita pelo réu e demais
arbítrios que destroem a Constituição Federal. A crítica não é apenas a Deltan
Dallagnol, mas sim, a toda carreira, ante o simbolismo e representatividade de
sua atuação.
“Contra
o político corrupto vale tudo, o que não aguentamos mais é impunidade” – dirá o
mantra da nação, empunhando suas bandeiras por um Brasil melhor
contra-tudo-que-está-aí. Todavia, o procurador de sorriso bobo e o
Ministério Público são incapazes de fazer, por terem submergido ao
fascismo, a constatação de que estamos no pódio de países que mais prendem no
mundo. Impunidade aqui é piada e qualquer projeto, qualquer um mesmo, que venha
a arrancar mais garantias das pessoas, endurecer mais uma instituição já
autoritária e empoderada, vai piorar o que já está péssimo. Vai prender o
político corrupto? Vai, mas vai prender MUITO jovem pobre também – fora
que, convenhamos, violar a Constituição para cumprir a lei é um contrassenso
tão grande que não vale nem adentrar no assunto.
Tatue
na testa para não esquecer: quem vai pagar essa conta de oba-oba contra a
corrupção é o pobre, o negro, o jovem, a mulher, o político corrupto, o
honesto, ou quem mais não os agrade. Por isso, muita gente séria tem se
levantado contra a perda dos direitos e garantias individuais, pela
Constituição e se opondo a olhar no cárcere solução para o que quer que
seja. É a lógica do anti-punitivismo, que, infelizmente, não vende jornal,
nem passa às 20h na tela da Globo. Para quem quiser conhecer a opinião de
renomados estudiosos de todo país desconstruindo, medida a medida, esse absurdo
de marketing institucional, sugiro a leitura do boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
Pelos
aplausos, poder de investigar e serem o salva-guarda da nação, o MP rebaixa o Estado de Direito no
país–
já tão baixo. Para quem ainda não entendeu, o problema não é ser contra ou
a favor da corrupção – acredito que é até tosco imaginar alguém a favor. O
cenário complica quando alguém, ou alguma instituição, acredita ser a
personificação da moral e da ética, quando, a bem da verdade, é só a
personificação do fascismo mesmo.”
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