quarta-feira, 14 de novembro de 2012

STF CONFIRMA O VEREDICTO DA MÍDIA NATIVA


"A Justiça deveria tratar de descobrir a inocência e não a culpa". Friedrich Hebel



Antes de adentramos no mérito desse texto, advertimos que o mesmo tem como escopo apenas analisar, longe da ótica midiática, o julgamento da Ação Penal nº. 470, registrando também, que somos, categoricamente, favoráveis à punição severa e exemplar de qualquer cidadão que, comprovadamente, praticou malversação de recurso público.

Segundo a grande imprensa o julgamento do "mensalão" entra para história como o mais importante da Suprema Corte do Brasil. E realmente assiste razão essa afirmativa. Porém, no nosso modesto entendimento, essa decisão ficará marcada não pelas exemplares condenações, mas sim, pela forma como  elas aconteceram, pois, o que vimos foi um julgamento político, cercado de sofreguidão de revide e juridicamente muito discutível, para não dizer temeroso ao estado de direito.

Uma prova insofismável dos desacertos do Processo do mensalão, e da postura abjeta e partidarizada da mídia nativa, começou com a injusta denúncia contra o ex-Ministro Luis Gushiken, transformado pela grande imprensa, como o grande vilão do pais. Gushiken foi inocentado, porém, essa decisão veio muito tarde, pois, devido ao vexame a que foi submetido pela mídia, seu organismo não agüentou e ele desenvolveu um câncer abdominal. Mas o mais deprimente nessa história foi o fato da imprensa não se retratar, aliás, nesse sentido o jornalista Washington Araújo escreveu no sitio “Carta Maior”: “... para uma imprensa ávida de sangue e sempre disposta a terçar armas para manter em evidência seu escândalo da hora, não restou nem a obrigação ética de formular ao “condenado inocente” [ se referindo a Gushiken] um reles pedido de desculpas. O mau jornalismo principia na confusão mental entre liberdade de expressão e libertinagem de imprensa, e não resiste à tentação maior de vestir a toga e, a seu bel-prazer, acusar, julgar, condenar. Não passam, na verdade, de semiprofissionais do jornalismo. Infames, biltres e, em uma palavra, mequetrefes.”

Em relação aos aspectos políticos, não há como negar que esse julgamento teve um viés ideológico e com “coincidências” espantosas. Uma delas, e talvez a mais gritante, foi o fato do julgamento coincidir, cronometricamente, com as eleições municipais.

Outro momento político/ideológico foi o fato de que pela primeira vez a TV brasileira transmite, ao vivo e na íntegra, um julgamento do STF. E foi sob esses holofotes midiáticos que alguns Ministros, sem qualquer constrangimento, escancararam seus posicionamentos políticos, fazendo daquela Corte um palanque televisivo para propagar seus raivosos discursos contra o ex-presidente Lula e os governos trabalhistas.

Aliás, comentado essa postura partidarizada dos Ministros, e com o costumeiro brilhantismo, o teólogo, Leonardo Boff, escreveu: “a ideologia que perpassa os principais pronunciamentos dos ministros do STF parece eco da voz de outros, da grande imprensa empresarial que nunca aceitou que Lula chegasse ao planalto. Seu destino e condenação é a planície. No planalto poderia penetrar como faxineiro e limpador dos banheiros, mas nunca como Presidente...Ouvem-se no plenário ecos vindos da Casa Grande, que gostaria de manter a senzala sempre submissa e silenciosa...” 

Já com referência à aplicação do direito, há uma infinidade de questionamentos jurídicos que nos levam às deduções perigosas sobre o casuísmo e a elasticidade dadas na aplicação dos tipos penais, das teses, inclusive, na mudança de históricas jurisprudências da Suprema Corte. 

Evidente que não vamos nos aprofundar nas discussões sobre os votos dos Ministros. Primeiro, porque demandaria muito tempo e espaço, e segundo, porque não possuímos condições intelectuais para tal enfrentamento. Por essa razão, vamos pontuar apenas os principais questionamentos levantados por renomados juristas pátrios. 

 A primeira coisa que causou estranheza no meio jurídico foi à recusa do STF em desmembrar o Processo da Ação Penal nº 470, pois, havia réus que não possuíam "foro privilegiado", assim, e sob a luz da Constituição Federal (art. 102, I, b/c) não poderiam ser julgados pela Suprema Corte, fato que pode caracterizar cerceamento da defesa, pois, como bem assinala o mestre Luiz Flávio Gomes, "todo réu condenado no âmbito criminal tem o direito, por força da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, 2, h) de ser julgado em relação aos fatos e às provas duas vezes". Aliás, em quatro ocasiões anteriores, o STF votou pelo desmembramento de processos, para que pessoas sem foro privilegiado fossem julgadas pela primeira instância, como por exemplo, no caso do Processo do “mensalão tucano”, ou seja, dois pesos, duas medidas. 

Outro fato que chamou atenção foi em relação ao suposto desvio de dinheiro público praticado pelos réus. Está claro nos autos que os recursos desviados não são públicos e sim privados, pois, eles se originam da empresa “Visanet”, sabidamente uma empresa privada. Outra curiosidade é o fato da suposta compra de votos ter sido praticada apenas na Câmara dos Deputados, quando era no Senado que o governo Lula encontrava grandes dificuldades para aprovar Projetos, e lá não houve essa compra de votos, assim, como afirmar que houve esse tipo de barganha com dinheiro público?

Mas afora essas “estranhezas jurídicas”, outros fatos chamaram atenção do mundo jurídico. O primeiro embate, e que pode demonstrar que o julgamento do “mensalão” suscita desconfiança, foi à perigosa declaração do Procurador-Geral da República - o mesmo que está sendo acusado de prevaricar - de que provas “tênues” são suficientes para se denunciar e condenar réus em processos do calibre do “mensalão”. Trocando em miúdos, ele afirma que não necessita de provas robustas para se condenar alguém, em especial, os réus da Ação Penal nº. 470. Somado a isso o Procurador e a maioria dos Ministros consideraram em seus votos, muito mais as provas testemunhais prestados na CPI do que aqueles prestados em juízo, onde se dá o contraditório, fato que, em tese, reputamos um atentado à Carta Magna.

Não satisfeito, o Procurador por mais uma vez inovou. Criou uma nova tipificação penal: a “organização criminosa”. Evidente que essa popularesca expressão, utilizada 55 vezes na denúncia, foi empregada como artifício alegórico e teve o condão de espetacularizar o julgamento para os incautos telespectadores da “mídia nativa”, fato que resultou numa merecida e dura advertência do Ministro Revisor, Ricardo Lewandowaki. Aliás, vale ressaltar que esse Ministro é o único, entre os demais, que atuou na área penal quando Magistrado em instâncias inferiores, por isso, a sua exigência e às vezes intransigência contra o Ministro Relator. 

Um terceiro ponto que suscitou um grande debate foi em relação ao crime de “formação de quadrilha”. Aqui, uma vez mais, houve uma drástica mudança na interpretação dessa tipificação penal, e mais uma vez, em prejuízo aos réus.

Por fim, outros pontos de discórdia entre os juristas foram às novas interpretações dadas à aplicação da “Teoria do Domínio do Fato”, do “Ato de Ofício”, da “Conduta Típica”,  e até mesmo o consagrado princípio processual penal in dubio pro reo, se transformou em in dubio "pau no réu". E foi exatamente em virtude dessas elasticidades que foram possíveis as condenações do ex-ministro, José Dirceu e de outros réus, diferentemente do que ocorrera, por exemplo, com o julgamento do ex-presidente Fernando Collor, que foi beneficiado por uma outra visão da aplicação dessas tipificações e teorias penais. Outro exemplo emblemático ocorreu no dia 17/10/2012, durante uma sessão extra do STF. Estava sendo julgado o ex-governador Garotinho, acusado de compra de votos para o seu candidato a Prefeito Geraldo Pudim. “Curiosamente”, Garotinho não foi atingido pela “Teoria do Domínio do Fato”, um caso gritante, segundo muitos Juristas.

Aliás, uma prova cabal e não “tênue” desses alargamentos foi em relação à aplicação da “Teoria do Domínio do Fato”. Um dos responsáveis por essa Teoria, o jurista alemão, Claus Roxin, em entrevista à Folha de São de São Paulo, respondeu entre outras, a seguinte pergunta: “É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica? “Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem, e tudo deve ser provado, caso contrário isso seria um mau uso da Teoria”.

Nesse mesmo diapasão, Mauro Santayana escreveu:"..o domínio do fato, em nome do qual incriminaram Dirceu, necessita, de acordo com o formulador da teoria, de provas concretas. E provas concretas haveria contra Hitler, se ele mesmo não tivesse sido seu próprio juiz, ao matar-se no bunker, depois de assassinar a mulher Eva Braun e sacrificar sua mais fiel amiga, a cadela  Blondi.  Não havendo prova concreta que, no caso, seria uma ordem explícita do ministro a alguém que lhe fosse subordinado (Delúbio não era, Genoino, menos ainda), não se caracteriza o domínio do fato. Falta provar, devidamente, que ele cometeu os delitos de que é acusado, se o julgamento é jurídico. Se o julgamento é político, falta aos juízes provar a sua condição de eleitos pelo povo".

Isto posto, e considerando os próprios votos dos Ministros, com exceção do Relator Lewandowski, não paira dúvida de que houve um tendencioso alargamento, para não dizer abuso, na interpretação e aplicação dessa Teoria.

Mas se tudo isso não bastasse, no apagar das luzes e levando ao orgasmo as elites conservadoras, eis que surge novamente o Batham brasileiro, Joaquim Barbosa, requerendo sob argumentos infundados a apreensão dos passaportes do réus. Uma medida desnecessária, flagrantemente carregada de populismo jurídico e que serviu tão somente para garantir as manchetes da "mídia nativa".  

A propósito o mestre Emir Sader, escreveu: "...Podem ficar com os passaportes, senhores juízes do STF, o que não podem tirar é a dignidade de quem lutou contra a ditadura enquanto os senhores gozavam das suas vidas nos seus trabalhos profissionais, no recôndito das suas famílias, do seu conforto familiar, guardando a dignidade que tivessem nos cofres bancários.

Realmente o Ministro Joaquim Barbosa caiu na armadilha midiática, esquecendo-se de sua posição de magistrado da mais alta corte do país para encarnar a figura do super-heroi das elites conservadoras. Diferente da postura do seu colega, o Ministro Ricardo Lewandowaki, que mesmo diante de uma avalanche de críticas da “mídia nativa”, não se curvou aos holofotes, e como bem assinala o Blog da Cidadania “...aplicou penas severas, sim, tão severas quanto as de qualquer juiz não afetado pelas pressões externas da turba. Mas não cedeu um milímetro em suas convicções. Nem quando foi cercado pelos colegas, ao tentar demonstrar o erro de interpretação na teoria do domínio do fato. Nem quando foi alvo de campanhas inomináveis de colunistas estimuladores de linchamentos....Se um dia esse Supremo for dignificado, será pelo Ministro simples, cordato, sensível e que tentou trazer a noção de humanidade e de justiça a um grupo embriagado pelas luzes de neon da cobertura jornalística”.

E foi diante desse julgamento político, que mais pareceu uma telenovela com capítulos, núcleos, protagonistas, mocinhos e bandidos que se deram as condenações dos réus da Ação Penal nº 470. Mas como BEM afirma o brilhante jornalista, Mauro Santayna, "a História, mais cedo do que tarde, fará a revisão desse processo, para infirmá-lo, por não atender às exigências do due process of law, nem à legitimidade para realizar um julgamento político".

No mais, e lamentavelmente, o que sobrou desse julgamento foi à assertiva do Juiz Robert Jackson, da Corte Suprema dos EUA, que disse: “...certos julgamentos não passam de uma cerimônia legal para averbar um veredicto já ditado pela imprensa e pela opinião pública que ela gerou”. Viva o Poder Judiciário do Brasil.!







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