"Procuro não internalizar demais tudo que acontece, tudo que vi, tudo que não vi, tudo que li e todas violências que não serão gritadas. No mar de sangue proposto pelo Estado, é difícil escolher o que será contado."
Malgrado os esforços do Governo
Federal com o programa “Minha Casa minha Vida” e outros projetos semelhantes, não
há dúvidas de que um dos grandes problemas sociais do Brasil é o déficit habitacional
que chega a mais de 5,0 milhões de moradias.
Diante
desse quadro, muitos brasileiros são obrigados a viver debaixo de pontes,
viadutos e marquises, outros se vêm forçados a invadir prédios, casas
abandonadas ou terrenos baldios para a construção de suas moradias.
Comprovando
essa assertiva, em 2004, um grupo de “Sem Tetos” invadiu um terreno baldio
denominado “Pinheirinho”, de aproximadamente 1,0 milhão m2 e lá ergueram suas
“casas”, transformando o imóvel em um “bairro” pobre de São José dos Campos,
onde 6,0 mil moradores sobrevivem em situação precária e de extrema pobreza.
O
citado imóvel pertence à massa falida da empresa “Selecta S.A”, do
megaespeculador Naji Nahas, preso juntamente com o banqueiro Daniel
Dantas pela Polícia Federal, na Operação Satiagraha.
Informações postadas no sitio “Conversa Afiada”, afirmam que o único credor que ainda falta a ser pago é o município de São José dos Campos. A empresa “Selecta” deve R$ 10,0 milhões só em IPTU atrasado.
Considerando essa informação,
não há dúvidas de que esse terreno deveria ter sido desapropriado pelo município e inscrito
nos programas habitacionais do Governo Federal, no entanto, o Prefeito optou
pelo confronto, e o resultado nós conhecemos: “Pinheirinho” foi palco
de uma terrível batalha contra esses pobres moradores que foram, violentamente,
enxotados de suas casas pela PM de São Paulo, em cumprimento de uma desastrosa
decisão judicial.
Segundo
informações, numa tentativa de acordo, o Tribunal Regional Federal (TRF), por
duas vezes caçou as liminares para reintegração de posse do imóvel, inclusive
no dia da invasão o Oficial de Justiça compareceu com o mandado suspendendo a
reintegração de posse, no entanto, tal decisão foi descumprida de maneira, no
mínimo inusitada.
De acordo com as notícias, quem
recebeu o oficial de justiça do TRF foi o desembargador Rodrigo Capez,
que de imediato “deu uma carteirada no oficial de justiça” e anunciou que
a ação da Polícia Militar continuaria. Não obstante essa singular situação, aqui
inicia um caso no mínimo estranho, para não dizer comprometedora.
Coincidentemente, tal desembargador é irmão do deputado estadual Fernando Capez, do PSDB, o
mesmo partido do Governador Geraldo Alkmin, e o mesmo partido do Prefeito de
São José dos Campos, Eduardo Cury.
Outra curiosidade, para não dizer excrescência, foi
bem observada pelo grande jurista Wálter Maierovitch, que escreveu: “...ontem, um espetáculo grotesco e inusitado foi
protagonizado pelo Judiciário no chamado bairro do Pinheirinho. A juíza que
concedeu reintegração — precipitadamente, pois não exauriu a via conciliatória
nem exigiu dos poderes públicos uma responsável solução para alojar os
despojados de suas residências — recebeu, no local e solenemente, o mandado
cumprido pela tropa de choque da Polícia Militar. Essa
conduta é inusitada no Judiciário. Como regra, os mandados judiciais cumpridos
são comunicados por ofício protocolado no Fórum. E os juízes os recebem pela
mão do escrivão ou juntados em autos processuais”.
Realmente,
não é pouco afirmar que essa ação foi cercada de contradições e de toda sorte
de barbaridades. De um lado, à falta de sensibilidade dos governos estadual e
municipal com uma causa social, e de outro, uma desastrosa e draconiana decisão
de reintegração de posse que não atendeu ao princípio de que na “aplicação da
lei, o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e as exigências do
bem comum”, além do que, tal decisão não foi amparada de certos cuidados que o
caso merecia.
Assim,
e diante de tudo isso, perguntamos: “será que precisamos de um novo Sobral
Pinto para constranger a Justiça brasileira, pedindo que se aplique aos seres
humanos do Pinheirinho a lei de proteção aos animais”?
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