segunda-feira, 27 de maio de 2024

A CATÁSTROFE POLÍTICA NO RIO GRANDE SUL


Por: Odilon de Mattos Filho

O povo brasileiro está estarrecido com a catástrofe que assola o Estado do Rio Grande do Sul (RS) em virtude das grandes enchentes que inundam ruas, derrubam pontes, casas, hospitais, comércios, etc., de várias cidades do Estado, aliás, um verdadeiro dilúvio, jamais visto nos Pampas. Os números são assustadores, até o momento, são 2,1 milhões de afetados, 539 mil desalojados, 157 mortos e 104 desaparecidos em 450 dos 497 municípios.

Evidente que no princípio as ações e palavras devessem ser mesmo de solidariedade, compaixão e generosidade com o povo gaúcho, e o que se viu dos brasileiros foi exatamente essa grande mobilização solidária.

No entanto, não se pode esquecer, até para não acontecer mais vezes, as causas dessa calamidade, que não se resume às questões climáticas, mas também perpassa pela discussão política/ideológica.

Sabemos que a extrema-direita e parte da direita comungam da ideologia do negacionismo, inclusive o ambiental, mas também têm como característica a falta de fundamentação teórica para defender suas ideias e têm, ainda, como característica a covardia. Com essa catástrofe no RS esses negacionistas se acovardaram diante da realidade dos fatos e estão, com o apoio da mídia, fugindo da discussão política sobre essa tragédia, primeiro, porque a calamidade derruba seus argumentos negacionistas sobre o meio ambiente e segundo, joga por terra o modelo econômico que defendem. Perdidos e sem argumentos, eles tentam se esconder do debate e tentam fugir às suas responsabilidades utilizando-se do discurso piegas da vitimização, como, por exemplo, “União pelo Rio Grande” ou “Não é hora de apontar culpados” e por aí vai.

Se tudo isso não bastasse, esssa mesma extrema-direita continua a propagar fake news contra as ações do governo federal no RS, ou seja, essa gangue se utiliza do sofrimento do povo gaúcho para tentar tirar proveito político, uma barbárie que caracteriza crime e como tal deveria ser investigada e os culpados, devidamente responsabilizados.

O governador do Rio Grande Sul, um dos poucos sobreviventes do alto clero do tucanato entreguista e neoliberal em suas primeiras entrevistas, mostrou o seu desconhecimento histórico, especialmente, sobre Porto Alegre e confessou que negligenciou e foi omisso na prevenção da tragédia porque privilegiou a fracassada política econômica que defende e que adota no seu Estado. Eduardo Leite disse que sua gestão não investiu como deveria em prevenção de desastres porque "o governo vive outras agendas" e a pauta "que se impunha era a questão fiscal1”. Depois, o governante foi mais longe e disse: “Você tem uma cidade e um comércio que foram impactados, e o reerguimento desse comércio fica dificultado na medida que você tem uma série de itens que estão vindo [doação] de outros lugares do país2”, ou seja, o cara reclamou das doações para defender o empresariado gaúcho.

A propósito, a Declaração do Agrupamento “Dialogo e Ação Petista do Rio Grande Sul em 10/05/2024, vai nesse mesmo sentido do fracasso da política neoliberal implantada no governo gaúcho. Diz a Declaração: “a gravidade dos acontecimentos não era inevitável. O drama que vive o povo é resultado de sucessivos governos que desmontaram os serviços públicos e em nome do ajuste fiscal e da dívida não fizeram os investimentos necessários para impedir uma tragédia desta proporção. A destruição dos recursos naturais pelos grandes proprietários de terra, voltados principalmente para a exportação de commodities, também apresentou seu resultado3”.

Esses discursos do governador do RS são a síntese de uma política econômica desumana e negacionista, cujo objetivo maior é a defesa dos interesses dos CNPJ’s e não dos CPF’s. Não é a primeira vez que a prioridade do governador é o mercado e não o povo do seu Estado. 

Foi aprovado nos anos de 2000 o Código Florestal do Estado do Rio Grande do Sul, uma lei amplamente debatida com a sociedade civil na Assembleia Legislativa do Estado e que contou com uma importante contribuição do Professor, José Antônio Lutzenberger, uma das maiores referências em ecologia no Brasil. Mas em 2019, no primeiro mandato do governador Eduardo Leite essa lei sofreu 480 cortes, ou seja, a norma foi totalmente desfigurada para defender os interesses do agronegócio e dos ruralistas gaúchos. O novo Projeto de Lei foi apresentado pelo governo de Eduardo Leite em setembro de 2019 e aprovada em dezembro do mesmo ano e neste intervalo de tempo houve, apenas, uma audiência pública, que mesmo assim, terminou em bate-boca.

Essa nova Lei foi duramente combatida pelos ambientalistas gaúchos, como, por exemplo, pelo Biólogo Francisco Milanez, então presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural. Disse o professor à época que “a lei aprovada pelo Governador Eduardo Leite foi “4desestruturante, destruidora e prostituinte, porque prostitui a questão ambiental numa liberalização infundada que destrói 10 anos de trabalho"...É uma proposta leviana e precipitada...um retrocesso de 40 anos". O Professor disse, também, que é paradoxal o que ocorreu no Rio Grande do Sul com a nova Lei, pois foi, “justamente o Estado, do Rio Grande do Sul, o pioneiro na luta ambiental no Brasil...Essa luta gerou o primeiro órgão ambiental municipal, o primeiro estadual, o primeiro mestrado de Ecologia numa universidade, que foi a UFRGS, a primeira lei de agrotóxicos, uma Constituição Estadual muito voltada para a questão ambiental, e agora o estado abandona a razão e se alia a uma especulação estúpida5". 

Aqui vale citar um pequeno fragmento dos versos escritos pelo Poeta Romano,  Quinto Horácio Flaco, 50 a.C, mas que se mostra muito atual: “...você pode expulsar a natureza com um ancinho, mas ela volta cedo ou tarde / irrompendo vitoriosa contra o seu tolo desprezo6”. 

Por fim, não podemos eximir também da responsabilidade e da incompetência, o governo municipal de Porto Alegre, antes e depois da tragédia. Antes, o prefeito negligenciou na manutenção do sistema antienchente da cidade e depois negligenciou ao não cadastrar as famílias que teriam o direito de receber do governo federal o primeiro lote do "Auxílio Reconstrução" no valor de R$ 5,1 mil reais. Até finalizarmos este texto, não havia notícias do cadastro realizado pela Prefeitura de Porto Alegre. 

Frente a tudo isso, podemos tirar algumas conclusões: a primeira, é o Estado (governos federal, estadual e municipal) trabalhar para recosntrução das cidades e o apoio psicológico e financeiro ás famĺias atingidas pela tragédia e linhas de créditos com juros negativos para os pequenos empresários. A segunda, a responsabilização do governador, Eduardo Leite (PSDB) e do Prefeito de Porto Alegre, Sebatião Melo (MDB) pela tragédia anunciada. A terceira, é a questão ambiental que deve ser tratada como Política de Estado que prima pela proteção do meio ambiente, nele inserido a defesa das vidas humanas. A quarta conclusão, é a clarividência de que a velha narrativa do Estado Mínimo nunca se sustentou e neste contexto, fica nítido que o modelo econômico que privilegia o capital é exemplar para mostrar o risco da política estrutural do ajuste fiscal para o conjunto da sociedade e dos trabalhadores e por derradeiro, fica evidente, também, a responsabilidade do capitalismo agrário (agronegócio) que promove a proletarização rural e a acumulação primitiva de capital na expropriação e reapropriação privada das terras, das florestas e das águas, para a acumulação de riquezas e geração de lucros, cada vez maiores e sem qualquer compromissso com as vidas humanas.












1Fonte:https://www.brasil247.com/regionais/sul/leite-fala-em-liderar-reconstrucao-e-chama-pimenta-de-preposto-de-lula

2Fonte: https://www.diariocarioca.com/brasil/eduardo-leite-diz-que-volume-de-doacoes-pode-prejudicar-o-comercio/

3Fonte: https://otrabalho.org.br/wp-content/uploads/2024/05/JOT-932.pdf

4Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2024/05/04/eduardo-leite-cortou-ou-alterou-quase-500-pontos-do-codigo-ambiental-do-rs-em-2019

5Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2024/05/04/eduardo-leite-cortou-ou-alterou-quase-500-pontos-do-codigo-ambiental-do-rs-em-2019

6-Fonte: https://vianadiego.wordpress.com/2015/11/14/naturam-expellas-parte-1/

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