Artigo do maior cronista do Brasil, Fernando Verissimo publicado no Jornal "O Globo". Ainda não li nenhuma análise tão concisa e brilhante como essa!
Ninguém ganhou
O maior vencedor nas recentes eleições
municipais, maior até do que o Suplicy, foi — como disse o Tarso Genro —
ninguém. A soma dos votos nulos e brancos, portanto para ninguém, foi maior do
que o total de votos válidos, e a tal mensagem das urnas foi a de desprezo pela
classe política. Algumas evidências afloraram em meio ao desencanto geral. O PT
pagou pelos seus pecados e perdeu força em todo o país. Ganharam força os
evangélicos e os bolsonaros. Mas nada significou tanto quanto a votação do
ninguém. Que não deve ser festejada: o que há no ar é mais do que uma revolta,
é uma clara desesperança com o processo eleitoral e fastio com a democracia.
Desmoralizada a política, nos sobra o quê? O silêncio das urnas foi um grito de
alerta.
Trump x Hillary foi uma luta de um
interminável round. Comentaristas americanos discutem quem foi melhor no counterpunch,
em linguagem do boxe o contragolpe a um golpe recebido. No quesito, ganhou o
Trump, que mais de uma vez atingiu Hillary com um comentário por baixo da sua
guarda, mas o consenso geral é que Hillary ganhou por pontos.
Na Europa, fala-se no fim da
austeridade, que sacrificou muita gente em nome da responsabilidade fiscal, um
outro nome para irresponsabilidade social, durante anos. Saiu uma matéria a
respeito num recente “New York Times”. Tem gente achando que chegou a hora de
relaxar e investir em remédios para o desemprego e a pobreza, em vez de seguir
a receita do capital financeiro, que não funcionou. Quer dizer, na Europa está
acabando o que no Brasil de Temer está começando.
O fim da austeridade não resolve o
grande problema do que fazer com os imigrantes que invadem a Europa, fugindo da
guerra e da fome. Uma reação à invasão tem sido o crescimento de partidos de
direita e de candidatos que, como Trump nos Estados Unidos, pregam o fechamento
de fronteiras e a discriminação de imigrantes, principalmente muçulmanos. Trump
pode vencer as eleições americanas, partidos de direita podem tomar o poder em
muitos países da Europa e no Brasil não se sabe o que fará o ninguém quando
vencer o seu silêncio ominoso.
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