terça-feira, 4 de abril de 2023

NOVO ENSINO MÉDIO: O NEGACIONISMO DA EDUCAÇÃO

Por: Odilon de Mattos Filho
A história da educação no Brasil teve o seu início com a chegada dos portugueses e dos Padres Jesuítas no país. Esses Sacerdotes assumiram o papel de catequistas e professores, tendo sido marcado pela relação estabelecida entre religião e letramento. Com a expulsão dos Padres Jesuítas em 1759 pelo Marquês de Pombal, o ensino passou a ser estatal.

Já na República foi organizado a primeira reforma na educação, que passou a ser dividida por séries e conforme as faixas etárias. Em 1939 foi criado o primeiro curso de Pedagogia na PUC de Campinas e Paulo Freire, um dos maiores pedagogos do mundo, propõe trabalhos em educação popular. Em 1971, o ensino passou a ser organizado em primário, ginásio e colegial e obrigatório até os 14 anos de idade. E assim o país foi caminhando e passando por alguns avanços e retrocessos nos modelos de educação.

Neste contexto, pesquisa do IBGE mostra que entre os anos de 2007 e 2014 foi registrada queda do analfabetismo e aumento da escolarização para crianças entre os 6 e os 14 anos de idade. O nível da educação brasileira também cresceu nesse mesmo período, mas quando se analisa o conjunto da educação a realidade salta aos olhos. Dados mostram que 27% dos brasileiros são analfabetos funcionais; 4% dos estudantes do ensino superior são considerados analfabetos funcionais e no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) da OCDE, o Brasil ocupa as posições 63.ª, 59.ª e 66.ª em ciências, leitura e matemática respectivamente.

Portanto, estes dados somados a outros mostram que a educação no Brasil necessita de um olhar muito mais atento e isso passa pelo orçamento do estado, ou seja, há uma imperiosa necessidade de se aumentar os investimentos em educação. Só para se ter uma ideia do sucateamento da educação pública, pesquisa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), mostra “que em 2021 o gasto público com a educação atingiu o menor patamar desde 2012. Essa mesma pesquisa mostra que parte das metas do PNE, aprovado em 2014, ainda não foi cumprida. O plano prevê a ampliação do investimento público em educação em até 7% do PIB no quinto ano de vigência da lei e 10% até 20241”, mas, estamos longe dessa meta!

Mas o problema da educação no país não se restringe apenas aos cortes de recursos financeiros, há que se registrar também, as alterações nos modelos de aprendizagem que se mostram, igualmente, maléficos ao ensino, e um dos exemplos deste retrocesso veio em 2017 com a sanção da Lei n.º 13.415/2017, que criou o Novo Ensino Médio (NEM). Essa lei, criada no governo Temer e referendada no governo Bolsonaro, nada mais é do que o negacionismo de uma educação plural e libertadora, é a negação ao direito dos alunos e alunas de se apropriarem do conhecimento científico produzido e acumulado pela humanidade ao longo dos anos.

Este modelo do NEM, resumidamente, cria itinerários formativos que é uma série de disciplinas, projetos e oficinas que supostamente pretende anteder as necessidades e perspectivas dos estudantes. Na teoria, a ideia é criar um ensino mais atrativo e inclusivo, porém, na prática, diminui a carga de disciplinas básicas, o acesso universal de alunos e alunas, fragmenta o curso, tem um caráter anticientífico e é privatista, não à toa, forças reacionárias e o capital privado como a Fundação Lehamann, o Grupo Lide, Fundação Roberto Marinho, a coalização de empresários "Todos pela Educação", "Educação e Trabalho" da Fundação Itaú, dentre outros patronos do projeto, são defensores deste Novo Ensino Médio, pois enxergam no pensamento crítico desenvolvido nas Escolas, uma perigosa arma à sua hegemonia.  

Aliás, a experiência dos atores escolares e as pesquisas científicas sobre os efeitos dessa reforma, dão conta que o NEM promove um ensino excludente e regressivo, pois, estudantes de nível socioeconômico mais elevado têm maior liberdade de escolha criando um abismo entre a educação pública e a privada, o que aprofunda o histórico dualismo no ensino médio, onde as classes mais privilegiadas recebem um ensino propedêutico e as camadas populares recebem um modelo esvaziado de conteúdos substantivos e voltado para uma suposta profissionalização imediata

A propósito, neste mesmo sentido a “Carta Aberta pela Revogação do Novo Ensino Médio” assinada por várias Entidades ligadas à educação, denuncia que “a implementação acelerada da Reforma em estados como São Paulo desnuda a falácia sobre a necessidade de diminuir o número de disciplinas no Ensino Médio, uma vez que, com os itinerários formativos, criou-se um conjunto de novas disciplinas sob a orientação de institutos e fundações da sociedade civil vinculadas ao capital, enquanto as disciplinas ligadas aos campos científicos, culturais e artísticos tradicionais da docência profissional ao nível médio foram eliminadas do currículo – num claro movimento de desmonte das possibilidades de formação científica e humanística da juventude que estuda nas escolas públicas..2”.

Criticando, também, a aberração do projeto do NEM, o historiador Fernando Horta com muita propriedade asseverou: “..Ninguém se torna um monstro se não souber “empreendedorismo”, “marketing pessoal” ou “o que rola por aí nas redes”. Mas fascistas são produzidos por falta de leitura de Rousseau, Vitor Hugo e Milton Santos, por exemplo. Um currículo abrangente forma cidadãos, enquanto “itinerários” que picotam o mundo e esfarelam o conhecimento, servem – com muita boa vontade – para o mercado. Currículo é história. Currículo é responsabilidade social e histórica. Currículo é futuro. Currículo é crítica3".

Outro fator negativo do NEM e talvez o mais “sacana” é que essa lei foi aprovada sem qualquer debate com alunos, alunas e professores e esse fato somados a outros está levando a juventude secundarista representada pela UBES e outras organizações a realizarem grandes debates e manifestações pela revogação da lei do NEM. E dando eco as palavras e sentimentos dos alunos secundaristas, a organização “Juventude e Revolução” produziu um Boletim Especial defendendo que os jovens “querem conhecer a nossa história, querem conhecer a natureza...Essa reforma abre o terreno para a ignorância do obscurantismo, teorias sobre a terra plana, propagandas anti-vacina e todo tipo de fakenews. Arrancar o conhecimento científico das escolas nos desprepara e nos desqualifica4”, diz o Boletim.

Diante de mais esse retrocesso e entulho deixado pela direita conservadora do país, realmente, a saída é revogar a Lei n.º 13.415/2017 (NEM), mas, por outro lado, não se deve esquecer que o modelo anterior do Ensino Médio está longe de ser perfeito, ao contrário, pois, não há como conceber, por exemplo, um modelo com treze matérias empurradas em apenas quatro horas. Aliás, sabe-se que nenhum dos primeiros quarenta países mais bem colocados do mundo em educação, tem mais do que oito matérias e menos do que sete horas de aula por dia. Por essa razão e não mesmo importante, é saber dos atores escolares quais são as perspectivas para o Ensino Médio com uma possível revogação do NEM e a resposta só pode ser dada depois de uma ampla discussão com os alunos, alunas, professores, especialistas e com a comunidade escolar, caso contrário, não teremos uma educação verdadeiramente universalizada e de qualidade.

Por fim, somos pelo entendimento de que o governo do presidente Lula tem que ter sensibilidade para escultar e auscultar os sentimentos dos jovens secundaristas e revogar a Lei n.º 13.415/2017. Não se pode perder de vista o papel histórico da juventude na luta política do país e a sua valiosa importância na extraordinária vitória do presidente Lula em 2022. Mas evidente, que não se pode ficar inerte esperando a boa vontade do governo, até porque, como vimos antes, há interesses do capital na permanência do NEM, por isso, é imperioso que a juventude com seu vigor e paixão vá para as ruas e pressione o governo para revogar a lei e avançar na conquista de uma educação de qualidade, plural, universal e libertária, afinal, “entre a angústia da impotência e essa enorme vontade de mudar, é preciso se apaixonar, nada grande no mundo foi feito sem paixão”.

 

 

 



1 Fonte: Fonte: https://www.assufrgs.org.br/
2 Fonte:https://www.cnte.org.br/images/stories/2022/2022_06_08_carta_aberta_revoga_em.pdf
3 Fonte: Fonte: https://www.brasil247.com/blog/em-defesa-do-curriculo
4 Fonte: Fonte:https://www.esquerdadiario.com.br/Vai-Juventude-fazer-Historia-nessa-vida

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