Por
se tratar de um histórico, corajoso e brilhante documento,
reproduzimos abaixo a carta que Dom Orvandil escreveu para o Ministro
do STF Gilmar Mendes. (postada o sitio “Cartas e Reflexões
Proféticas)
Prezado
ministro Gilmar Mendes
Certamente
o senhor conhece a enorme repercussão social da infeliz e classista
manifestação da ministra Carmen Lúcia na 2ª turma do STF ao
justificar seu voto na decisão do ministro Teori Zavascki ao ordenar
a prisão do Senador Delcídio do Amaral, cujo discurso foi objeto de
uma carta aberta minha (o senhor pode relê-la aqui).
Nesta
sexta feira o senhor completou o colorido sombrio de casa grande
sobre o País da senzala.
Numa
associação de advogados em São Paulo no dia 27 de novembro deste
ano o senhor afirmou, para meu estarrecimento e o de milhões de
irmãos brasileiros, porque fora de qualquer exercício da
magistratura e do juízo de qualquer processo, algo de impressionar
pelo caráter de seu compromisso ideológico, costumeiramente negado,
como é de praxe entre pessoas de sua tez política: “Nessa
campanha, a presidente Dilma disse, como candidata: nós fazemos o
diabo para ganhar a eleição. O presidente Lula disse, em algum
momento, na presença da candidata Dilma: eles não sabem o que nós
somos capazes de fazer para ganhar a eleição. Agora a gente sabe o
que eles podem fazer para ganhar a eleição, mas não na urna, em
outro campo”.
Ora
ministro, o senhor é um homem culto (no sentido de sua qualificação
acadêmica com um curso de graduação em direito, dois mestrados e
um doutorado) e sabe muito bem que até numa roda de cerveja com
amigos as falas das pessoas são contextuais e pertencem a um
universo amplo. O que o senhor citou de uma fala do ex-presidente
Lula e outra da Presidenta Dilma, candidata a reeleição em 2014,
fora dos devidos contextos, onde se encontram o sentido do que
disseram, o senhor não as refere.
Ao
não contextualizar o discurso alheio o senhor dá novo significado,
que diversam extremamente do que as duas personalidades disseram.
Isso em metodologia científica e do ensino superior é chamado de
desonestidade intelectual.
A
partir daí o senhor infere, para mim movido de extraordinária
má-fé, que os dois – um fazendo o diabo para ganhar a eleição,
a outra de que os inimigos do povo, a direita, os fascistas, não
sabem de que somos capazes para ganhar a eleição – de que os tais
candidatos compraram de votos e que suas respectivas eleições são
produtos da corrupção praticada por eles.
É
o que senhor diz ao afirmar: “A gente fica imaginando (o senhor
realmente é dotado de fantástica imaginação) a captação do
sufrágio como a compra do eleitor via distribuição de telha, saco
de cimento, tijolo. Na verdade, em termos gerais, dispõe-se da
possibilidade de fazer políticas públicas para aquela finalidade.
Aumentar Bolsa Família em ano eleitoral, aumentar o número de
pescadores que recebem a Bolsa Defeso. Em suma, fazer este tipo de
política de difícil impugnação inclusive por parte dos
adversários. A Justiça Eleitoral será que estaria preparada para
este tipo de debate? O que resulta disto é um déficit de R$ 50
bilhões estimado pelo TCU (Tribunal de Contas da União)” (veja
mais aqui).
Quer
dizer, ministro Gilmar, para o senhor o Estado assumir a
responsabilidade, com projetos aprovados e amparados pelo Congresso
Nacional, pelas mazelas que durante anos e séculos a classe
dominante, pelo senhor defendida e aplaudida, jogando famílias
brasileiras aos milhões na miséria e na pobreza, é compra de
votos?
Para
o senhor retirar seres humanos da extrema desumanidade numa sociedade
que se acostumou e até acha normal passar por filas de
desempregados, por crianças, mulheres e homens mendigando nos
semáforos, é comprar eleitores?
Para
o senhor acolher os direitos à cidadania por parte de negros, negras
e indígenas jogados ao lixo como seres de terceira classe, é
comprar votos?
Dar
direito ao voto aos pobres e abraçá-los nas eleições para que
ajudem a redesenhar a democracia, antes somente privilégio de
brancos, de ricos e de proprietários mandantes dos famosos votos a
cabresto, é compra de sufrágios e corrupção?
O
senhor “imagina” que o direito de votar dos pobres não é
conquista assegurada pela Constituição Federal, mas invenção de
Lula – fazedor de diabos – e de Dilma – que, segundo o seu
discurso, “faz qualquer coisa” para vencer pleitos – e não do
povo composto por trabalhadores, pobres, jovens sem oportunidade de
estudar e de crescer, que nem pensavam em quem votar?
O
senhor, com sua afirmação sobre a Bolsa Família, respeitada
mundialmente, inclusive pela ONU, e da proteção dos direitos dos
pescadores, sempre abandonados às intempéries depois de fartas
pescarias entregues aos restaurantes frequentados por quem se quer se
lembra de seu sofrimento, considera que tudo foi feito pelo Estado
brasileiro como política pública para arrebatar votos?
O
senhor avalia que os pobres, os miseráveis, os esquecidos não
merecem solidariedade, dr. Gilmar Mendes? Pelo contrário, que eles
devem ser, como sempre o foram desde que se vota neste País, apenas
sufrágios cabresteados e manipulados com dinheiro e esmolas em
vésperas de eleições?
Sinceramente
juiz Gilmar, sua postura gera muitas tristezas, instabilidade
política no País e no acirramento dos ânimos, jogando irmãos
contra irmãos.
Sou
professor do ensino superior e todas as semanas me deparo com alunos
e alunas que somente comem do pão cultura graças ao Pró Uni e até
ao Bolsa Família. Talvez se o senhor imaginasse menos e convivesse
mais com o povo, com os pobres e com os trabalhadores acabaria por
entender da mesma maneira que eu.
Mas
o entendo, dr. Mendes. Aliás, muita gente entende o senhor e o que
faz neste País para desgraçar nossa paz.
Nosso
povo na sua imensa sabedoria define bem a biografia do senhor, quando
afirma: “dize-me com quem andas e te direi quem és”.
O
noticiário deste ano é farto em fatos ruins e de pessoas
indecentes. Pois o senhor se reuniu com algumas destas, notórios
golpistas, e elas sim fisiológicas, fichas sujas e mau caráter.
Reuniu-se para fazer o que o povo diz no seu ditado para dizerem o
que são. Cito a notícia literalmente: “O presidente da Câmara,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tratou com o ministro do STF (Supremo
Tribunal Federal) Gilmar Mendes e com o deputado Paulinho da Força
(SD-SP) a crise política e o processo de impeachment da presidente
Dilma Rousseff” (aqui).
As
pessoas que o acompanham são realmente ativas no poder e nos
desfrutes da casa grande, adoradas também por Eduardo Cunha e
Paulinho da Força, manifesto pelego que envergonha a classe
trabalhadora. Aqui mais um exemplo: “Gilmar Mendes foi nomeado para
o Supremo pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso”. Como o
Brasil e o mundo sabem, o seu amigo presidente, a respeito de quem o
senhor “não fica a imaginar” nada como no caso do ex-presidente
Lula e da Presidenta Dilma, de quem o senhor sofre urticantes
instintivos, é exuberante privatista e neoliberal, regime moderno
dos que, na casa grande, usufruem do trabalho, que o senhor
consideraria indignos de votar, dos que votam sem pensar porque as
políticas públicas funcionariam como meio de comprar suas
“debilitadas” consciências.
Em
2008 o senhor, depois de empossado na presidência do STF tomou
atitude que estarreceu o País em defesa de um amigo, daqueles que
nosso povo apelida de “amigo da onça”. “À frente do Supremo,
gerou enorme polêmica ao conceder um habeas corpus para o banqueiro
Daniel Dantas preso pela Polícia Federal durante a Operação
Satiagraha, que investigava o desvio de recursos públicos, entre
outros delitos.” (Mais aqui).
Os
integrantes do regime da casa grande não têm preconceito na escolha
de suas amizades, desde que não sejam trabalhadores, pobres, negros
e indígenas. O senhor também não se limita a essas coisas de não
dar tempo e investir em amizades poderosas, como revela o site
Pragmatismo: “Escutas interceptadas pela PF e divulgadas nesta
segunda-feira levantam a suspeita de que o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, “pegou carona” em um
jatinho fornecido por Cachoeira, no dia 25 de abril de 2011, quando
teria retornado da Alemanha ao Brasil, na companhia do senador
Demóstenes Torres” (ex-DEM-GO).
Nessa
mesma linha o senhor não titubeou em aprovar as candidaturas dos
fichas sujas José Roberto Arruda e Paulo Maluf, homens que desbotam
e desonram a política brasileira.
Os
efeitos da amizade dos da casa grande, como o senhor e os seus
amigos, atuam danosamente com forças destrutiva, desalojante e
desorganizativamente desproporcionais da vida dos da senzala, dos
mais extremamente desprotegidos dos campos, das matas e das cidades.
A repórter da Agência Brasil, Ana Luiza Zenker, escreveu sobre isso
no dia 06/03/2009, quando informa da nota da CPT “que o presidente
da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Xavier Gilles de Maupeou
d’Ableiges, acusou o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de
ser parcial no tratamento da questão dos conflitos agrários.” “O
ministro Gilmar Mendes não esconde sua parcialidade e de que lado
está. Como grande proprietário de terra em Mato Grosso ele é um
representante das elites brasileiras” (aqui).
Dom
Xavier denunciou que o senhor considerava que recursos públicos
investidos em instituições que defendem o povo, como os Sem Terra,
são ilícitos.
Coerente
com seu pensamento e com o das elites, que acham lícito privatizar,
entregar os bens públicos para particulares e para estrangeiros
lucrarem com nossas estatais do que vê-las produzindo para o bem de
nosso povo.
O
jornalista Maurício Dias assegura que o senhor é homem frio,
tipo calculista, que não se inibe em ligar para ministros de Estado
e chefes importantes para pedir vagas e privilégios para seus
amigos.
Discordo
de Maurício. Penso que o senhor não é homem frio. Pelo contrário,
o senhor é tremendamente emotivo e demonstra isso na sua voz e tons
controlados, até para ameaçar e tentar inibir.
Quando
o vejo falar no tribunal do STF ou em entrevistas pela TV percebo um
homem intenso de ódio e de rancor. Seus olhos parecem faiscar e sua
boca espuma de raiva dessa gente que sufraga presidente operário e
Presidenta ex-guerrilheira, que sua gente adora apelidar de
bolivarianos e de ideologia cubana.
O
grande jornalista Luis Nassif, que o senhor ardorosamente odeia,
confirma a intensidade de sua personalidade de homem da elite
dominante, que aqui, tomando emprestado o simbolismo do antropólogo
Gilberto Freyre, chamo de casa grande, lugar dos senhores
escravocratas, que nadavam nas riquezas produzidas pelos escravos,
que eles odiavam.
Num
artigo publicado pela Carta Capital Nassif conta sobre as ironias
rancorosas numa seção plenária do STF que, segundo ele, o senhor
fez contra aquele competente jornalista: “Certamente quem lucrou
foram os blogs sujos (esse é nome dado aos blogs críticos e
diferentes da mídia tradicional por seu companheiro de partido, José
Serra), que ficaram prestando um tamanho desserviço. Há um caso que
foi demitido da Folha de S. Paulo, em um caso conhecido porque era
esperto demais, que criou uma coluna ‘dinheiro vivo’, certamente
movida a dinheiro (…) Profissional da chantagem, da locupletação
financiado por dinheiro público, meu, seu e nosso! Precisa ser
contado isso para que se envergonhe. Um blog criado para atacar
adversários e inimigos políticos! Mereceria do Ministério Público
uma ação de improbidade, não solidariedade”.
Como
se demonstra aí, o senhor, além de odiar quem trabalha, não gosta
da crítica democrática, saudável e que ajuda a crescer.
De
modo que, ministro Gilmar Mendes, o senhor consegue uma unanimidade
considerável em relação ao seu ódio e arrogância contra os
pobres, que o senhor ofendeu profundamente ao considerá-los imbecis
que trocam votos por telhas, sacos de cimentos e de tijolos.
Tem
razão Dom Xavier ao afirmar que o senhor causou a matança de
pequenos agricultores, de indígenas e de posseiros com suas decisões
em favor dos grandes proprietários.
Com
sua palestra em São Paulo certamente o senhor alimenta o
fundamentalismo irracional, os preconceitos contra negros e pobres e
ameaça a democracia.
Abraços
críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz sociais.
Dom
Orvandil, OSF: bispo cabano, farrapo e republicano, presidente da
Ibrapaz, bispo da Diocese Brasil Central e professor universitário,
trabalhando duro sem explorar ninguém.