sábado, 15 de março de 2025

SERÁ QUE EU TENHO "LUGAR DE FALA"?


Por: Odilon de Mattos Filho

As informações mostram que as políticas identitárias remontam à década de 70. O termo surgiu com o coletivo de mulheres negras e lésbicas denominado Combahee River Collective. O coletivo surgiu em Chicago e atuou entre os anos de 1974 e 1980 em Boston. Era um movimento de mulheres negras e lésbicas que não se sentiam apropriadamente representadas pelo movimento feminista — predominantemente branco — em suas demandas específicas1”. Já outros estudos apontam que este “fenômeno parece ter surgido de movimentos como o Occupy Wall Street, o Me Too e o Black Lives Matter, mas tem raízes muito anteriores. As sementes dessa militância puramente identitária germinaram no pós-guerra, desenvolveram-se nos movimentos americanos e europeus da década de 1960 e se consolidaram com o fim da Guerra Fria2”.

Política identitária, segundo o professor Wilson Gomes, é “...uma forma de politização das contraposições entre determinados grupos sociais cujos membros reconhecem que o seu pertencimento é compelido por aspectos da sua identidade..”.

No Brasil, esse fenômeno das políticas identitárias ou do identitarismo surgiu recentemente no meio de alguns movimentos sociais e é apoiado por alguns partidos políticos de esquerda, notadamente pelo PSOL. Mas, apesar da grande visibilidade e força desse movimento, ele começa a ser debatido, ainda que timidamente e com certa hesitação, por intelectuais, políticos e grupos representantes desse movimento sobre sua eficiência política, social e seus resultados coletivos.

É evidente que não há como negar o desprezo, o desrespeito e o preconceito da sociedade e do próprio Estado contra os chamados grupos minoritários, sejam eles étnicos, religiosos, de gênero, de orientação sexual ou por outras características. E certamente foi por isso que surgiu essa luta dos distintos grupos contra toda essa opressão. As discussões a favor ou contra o identitarismo trafegam hoje por várias correntes de pensamento, inclusive no meio da direita conservadora e da extrema-direita, que se aproveitam de maneira sarcástica desse fenômeno para dialogar diretamente com sua bolha, como exemplificado por Bolsonaro, Donald Trump e outras lideranças da extrema-direita mundo afora.

No nosso modesto entendimento, não temos dúvidas da importância desse movimento identitário enquanto luta por direitos e reconhecimento social. Por outro lado, é sabido que esses movimentos se apresentam de maneira fragmentada, ou seja, cada grupo defende seus interesses específicos, mas essa luta está desconectada dos interesses de outros grupos, esquecendo-se que, no fundo, as reivindicações colocadas são comuns e interseccionais, já que a raiz de tudo é a desigualdade social e a luta de classes.

Aliás, nesse sentido, Marcel Coelho defende que “...a história testemunha a tentativa, bem-sucedida, em desagregar grupos com interesses comuns, confrontando-os através de pequenos privilégios, oferecidos a um dos lados e minando suas forças contra o inimigo comum. Nesse caso, os patrões...”.Continuando Marcel acrescenta: "no Brasil, o tema das pautas identitárias ingressou com uma força descomunal e potência desagregadora de ordem nuclear. Com dinheiro de fundações internacionais e de setores da burguesia nacional, como a família Setúbal, Marinho e a emergente Fundação RENOVA, são formados e pautados nos mesmos princípios liberais. Temas progressistas são colocados na ponta do discurso desde que as lutas de classes, base da subversão dos males do capitalismo e do neocolonialismo, não sejam questionadas. De pautas ambientais, corrupção, educação, até as lutas identitárias, tudo é discutido com ares progressistas e até de esquerda, desde que princípios neoliberais não sejam ameaçados. Esta tomada de pauta, desconectada com as lutas universais, tem um impacto sem precedentes no desenvolvimento econômico do Brasil. Alguém acredita que a Rede Globo tem compromisso com nosso povo? Enquanto líderes destas políticas são “perseguidos” por defendê-las e colocá-las no centro do debate, nossos “supremacistas brancos”, penalizados por mazelas sociais similares, como a famigerada reforma da previdência, posicionam-se em trincheiras opostas. Dividida, a sociedade brasileira não tem discutido um projeto de desenvolvimento universal e generoso...3

Por fim, não temos a pretensão de demonizar os grupos identitários. Ao contrário, reconhecemos suas lutas, bandeiras e os avanços conquistados no sentido da efetivação da cidadania. No entanto, entendemos que os movimentos e as políticas identitárias não podem esquecer que a raiz dessas distorções é a desigualdade social. Assim, para que este movimento seja mais abrangente e verdadeiramente vitorioso, não pode se desconectar da luta de classes, até porque todas as representações de minoria estão ligadas, umbilicalmente, ao processo de manutenção da exploração capitalista.

Dito isso, fica claro que não cabe aos identitários criticar aqueles que querem debater o tema como sujeitos “sem lugar de fala” e, por outro lado, não se pode simplesmente, como alguns querem, demonizar esse movimento como responsável pelas mazelas eleitorais, sociais e políticas que nassolam o país.

Dessa forma e considerando o melindroso momento político que vivemos, é imperioso a unidade da esquerda e de setores progressistas da sociedade  para se preservar direitos e avançar em conquistas. Não se deve esquecer do ensinamento de Bertold Brecht: "a cadela do fascismo está sempre no cio".







1Fonte: https://www.politize.com.br/identitarismo/
2Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2021/09/17/artigo-como-surgiu-a-politica-identitaria-e-qual-sua-relacao-com-a-ideologia-liberal/
3Fonte: https://disparada.com.br/pautas-identitarias/

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