Por: Odilon de Mattos Filho
Em 1808 o Príncipe-regente Dom João de Bragança criou o Banco do Brasil que na época tinha as funções de um Banco Central e Comercial.
Com o passar do tempo observaram que o país necessitava de um sistema para acompanhar a evolução mundial da economia. Desta forma, em 1945 o presidente Getúlio Vargas criou a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), “que recebeu as funções imediatas de exercer o controle sobre o conturbado mercado financeiro e de combater a inflação que ameaçava o país, bem como preparar o cenário para a criação de um banco central1”, ficando a emissão de papel-moeda sob a responsabilidade do Tesouro Nacional.
Passados dezenove anos da criação do Sumoc, em 1964, foi, finalmente, criado Banco Central do Brasil (BC), autarquia federal integrante do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
Com a financeirização da economia, o livre trânsito do dinheiro mundo afora e com a pouca regulamentação, os Bancos Comerciais começaram a ter enormes lucros e como todo banqueiro busca alternativas para ampliar os seus lucros, os banqueiros brasileiros e estrangeiros começaram a fazer lobby junto aos políticos para tentar indicar o presidente do Banco Central que, na verdade, trabalharia, na defesa dos seus interesses.
Dentro deste contexto, os banqueiros perceberam que, de quatro em quatro anos, tinham que barganhar com a classe política para tentar indicar o presidente do Banco Central e emplacar políticas de seu interesse. Incomodados com isso, os conglomerados do sistema financeiro começaram a trabalhar nos bastidores pela autonomia e independência do Banco Central e para justificar os seus argumentos utilizam-se das conhecidas narrativas, como, por exemplo, o elevado custo Brasil, o risco da explosão da dívida pública, a ameaça da elevação do déficit público, a independência do BC é a possibilidade de se executar políticas financeira sem pressões do Executivo e tantos outros mantras do falido sistema capitalista.
Mas, mesmo com todo poder dos banqueiR$os, até então, não tinham conseguido o seu objetivo da independência e/ou autonomia do BC. Mas, depois de mais de trinta anos, finalmente, os banqueirR$os têm o Banco Central do Brasil com autonomia e isso graças ao governo entreguista de Bolsonaro, da maioria do parlamento servil e dos esforços do ex-ministro Paulo Guedes, fiel representante do sistema financeiro.
A lei estabelece mandatos fixos para o presidente e para os diretores da autarquia, descolado do mandato do presidente da república, ou seja, este projeto retira dos futuros presidentes da república um dos principais instrumentos da política financeira do país e entrega todo o seu controle aos cinco maiores barões da banca financeira, aliás, esses cinco Bancos controlam 80% das transações financeiras do Brasil é o único caso mundo, É mais um projeto lesa pátria pois, tratava-se de um plano do mercado financeiro e de seus agentes e que integra recomendações
dos organismos multilaterais relacionados com o Consenso de Washington. Essa lei passou sem nenhuma oposição parlamentar e da própria sociedade que, na verdade, foi alijada dessa discussão e iludida pela imprensa hegemônica cujos barões da mídia, também, tinham interesse na autonomia do BC.
A propósito, com relação à autonomia do BC, Maria Lucia Fattorelli, Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), com muita precisão sentenciou: “Tornar o Banco Central ‘autônomo’, imune à interferência de qualquer ministério ou órgão público, amplia e torna definitiva a captura da política monetária do país pelo setor financeiro privado, colocando em grave risco a soberania financeira e monetária do país, com sérios danos às finanças públicas, à economia e a toda a sociedade1”.
Aprovada a lei, foi escolhido a dedo o presidente do BC e como não poderia ser diferente foi indicado um fiel representante da banca financeira, Roberto Campos Neto, filho de Roberto Campos Filho, Executivo do mercado financeiro com 18 anos de passagem pelo Banco Santander e neto do falecido Roberto Campos, um dos economistas mais neoliberais do país que comandou o Ministério do Planejamento no governo do ditador, general Castelo Branco. Com essa biografia, precisa desenhar a quem e a que interesses defende o presidente do BC, Roberto Campos Neto? Isso é o retrato fiel do dito popular: "colocaram a raposa para tomar conta do galinheiro!
Passados três anos da posse do presidente do BC o que acompanhamos é o total desastre da política financeira e monetária do país e a falácia do discurso da autonomia do BC com provas incontestes da incompetência técnica e moral do atual presidente Roberto Campos e de sua equipe.
Segundo, amplamente noticiado, vazou um áudio de André Esteves presidente do Banco BTG Pactual, no qual é revelado que o presidente do Banco Central ligou para ele para saber qual deveria ser o piso ("lower bound") da taxa de juros no Brasil. Aliás, neste mesmo vídeo André Esteves diz que “educou políticos e ministros do STF para que a independência do BC fosse aprovada2”
Nos dois anos à frente do BC Roberto Campos fracassou ou ao menos teve um desempenho insuficiente para o cargo que ocupa. Em 2021 a meta de infração definida pelo Conselho Monetário Nacional foi 3,75% a 5,25%, mas, a infração chegou a 10,6%, como justificativa Campos Neto disse a culpa foi em decorrência de um fenômeno global, e citou também o risco fiscal e a crise hídrica. Em 2022 foi definida uma meta de infração de 3,5 a 5%, mas, uma vez mais, a meta não foi atingida e a inflação chegou 5,80%.
Outro fato noticiado pela imprensa, mas com pouca repercussão, foi com relação ao absurdo erro na apuração das estatísticas dos números do mercado de câmbio. Segundo o BC com os novos dados publicados se vê que o fluxo de dólar no país, que era U$ 9,7 bilhões positivo, na verdade ficou negativo em U$ 3,2 bilhões em 2022, um fato que mais do que um erro é uma enorme incompetência da autoridade monetária, aliás, esse erro deveria ser passivo de investigação.
Se tudo isso não bastasse, uma jornalista da Folha de São Paulo flagrou, ou melhor, fotografou o telefone celular do presidente do BC que se encontrava aberto no WhatsApp cujo grupo é denominado "Ministros do Bolsonaro" e o próprio Roberto Campos participava ativamente, até o dia 11/01/2023, deste grupo, fato que, evidente teve pouca repercussão, mas que subsidia o discurso do presidente Lula de que, em tese, o presidente do BC vem sabotando o seu governo por questões políticas e coloca em dúvidas a autonomia do BC.
Mas a incompetência e a pseudoindependência do BC foi mais longe. Está cada vez mais claro que BC e seu presidente trabalham para atravancar uma das políticas cruciais do governo que é o crescimento da economia e a geração de empregos, que passa por investimentos da iniciativa privada, mas que para tanto, necessita-se buscar empréstimos junto aos Bancos. A propósito, vale lembrar que essa foi a política aprovada nas eleições de 2022. No entanto, o BC vai na contramão do que o povo espera e eleva a taxa de juros a 13,75% com uma inflação acumulada nos últimos doze meses de 5,87%. e mais, não há inflação de demanda, portanto, qual a justificativa para essa taxa exorbitante (maior do mundo) e como os empresários vão buscar empréstimos juntos aos bancos para investir em suas empresas com essa taxa de juros? Aliás, diga-se de passagem, que a grande maioria dos empresários, não querem investir, aprenderam os caminhos das pedras e querem multiplicar o seu capital por meio do capitalismo parasitário da taxa de juros, é muito mais seguro e confortável, aliás, como nos ensina o Economista e ex-banqueiro, Eduardo Moreira é possível dobrar o capital parasitário a cada cinco anos sem nenhum trabalho e muitos empresários que não têm qualquer compromisso com o desenvolvimento do país preferem esse caminho, tanto, que não houve nenhuma chiadeira por parte da FIESP com a alta dos juros, como acontecia antes da autonomia do BC. A propósito, com relação a alta dos juros, vale lembrar que as taxas de juros na Europa e nos EUA estão negativas, mesmo vivendo um período inflacionário. Dessa forma perguntamos: por que então essa taxa tão abusiva do BC? Com a palavra o presidente Roberto Campos!
Mas, logo após publicado o Relatório do Copom com a nova taxa de juros, de imediato o presidente Lula reagiu preciso e energicamente: “É só ver a carta [relatório] do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juros e a explicação que eles deram à sociedade brasileira....O problema não é de banco independente, não é de banco ligado ao governo. O problema é que este País tem uma cultura de viver com os juros altos...Vou esperar esse cidadão [Roberto campos] terminar o mandato para fazermos uma avaliação do que significou o banco central independente...3”.
E não demorou muito também, para imprensa comercial tomar as dores do mercado e criticar o presidente Lula pelas suas falas contra a alta dos juros e contra o presidente do BC. A CNN, por exemplo, chegou ao desplante de dizer que Lula estava “criminalizando os ricos”. Ah, coitados dos ricos, tão bonzinhos!
Por derradeiro, vale comentar a entrevista de Roberto Campos no Programa Roda Viva do dia 13/02/2023, que aconteceu
depois que escrevemos e publicamos este texto, por se tratar de uma entrevista indecorosa e pornográfica e que mostra como essa ditadura do
capital age sobre a imprensa servil, sabuja e conivente com a agiotagem especulativa, vale esse comentário.
Sabemos que a taxa de juros do Brasil é a maior do Planeta Terra, porém, nenhum jornalista
presente no programa teve a coragem e a independência profissional de perguntar
ao presidente do Banco Central por que o país tem a maior taxa de juros real do
mundo, aliás, essa deveria ser a primeira pergunta, porém, nada! O que se viu foi apenas uma constrangedora e covarde subserviência dos empregados dos barões da mídia -
que diga-se de passagem, ganham com a alta taxa dos juros - ao presidente do Banco Central.
Nesta mesma entrevista, Campos Neto teve o desplante de afirmar que o BC é preocupado com a responsabilidade social e para justificar essa afirmativa deu um exemplo com a seguinte história: disse o banqueiro que quando saia de uma restaurante veio em sua direção um menino que fica no sinal e neste momento lhe ofereceu balas, mas Campos Neto disse que não tinha dinheiro e o menino falou que aceitava PIX. E aí o banqueiro concluiu que o PIX mudou a vida do menino pobre que vende balas no sinal, com isso, fica comprovado que este sistema de pagamento funciona, também, como instrumento de responsabilidade social do Banco Central. É mole..?
E é dentro de todo este contexto, que podemos concluir, que, realmente, assiste razão os comentários do presidente Lula, pois, essa
história de autonomia do Banco Central é no mínimo paradoxal. Como aceitar
e entender que a política financeira e monetária do país fique nas mãos de um
homem que não teve um único voto popular, enquanto um presidente da república
que teve mais de 60 milhões de votos, deve ficar à mercê de um BC independente
da política, mas dependente e a serviço do sistema financeiro, dos banqueiros e
dos especuladores que não produzem um prego e não geram um único emprego, se
quer?
Aliás, neste sentido o
festejado jurista Lenio Luiz Streck ensina: qual seria o dispositivo
constitucional que daria suporte à lei que concede autonomia ao Banco Central?
Ao argumento de que ele deve ser autônomo para estabilizar a economia, cabe
perguntar: a golpe de caneta monetária o presidente do BC tem mais capacidade
do que toda a equipe econômica de um presidente da República? A Constituição
estabelece quem deve cuidar da economia. E nisso está inserida a estabilidade e
a responsabilidade social para com a população. Não parece adequado à
Constituição um organismo como o Banco Central autônomo, cujo presidente, sem
mandato popular, sem legitimidade, estabeleça as diretrizes do desenvolvimento
econômico. Porque, no fundo, é isso que acontece. O Banco Central manda mais
que o presidente..3”.
Na verdade, com essa autonomia do BC o governo, nas questões monetárias e
financeiras não passa de uma “rainha da Inglaterra”, pois, não tem como conduzir a sua política econômica que fora aprovada pelo povo na última eleição, o que convenhamos, beira ao absurdo! A autonomia do BC do Brasil, efetivamente, é um atentado à soberania financeira e monetária do
país e uma afronta à soberania popular enquanto ideologia básica do formalismo democrático. Essa autonomia do BC é uma verdadeira abstração política e por essas razões, há sim, que se revê-la antes que os banqueiros imponha ao país uma sociedade dual entre pobres e ricos. ..!
1Fonte:https://www.brasildefato.com.br/2021/02/08/entenda-os-riscos-da-autonomia-do-banco-central-projeto-pode-ser-votado-nesta-terca
2 Fonte: https://www.brasil247.com/economia/roberto-campos-neto-presidente-do-bc-se-orientou-com-andre-esteves-sobre-taxa-de-juros?amp3 Fonte: https://www.cartacapital.com.br/economia/lula-reforca-criticas-ao-bc-por-juros-elevados-e-chama-de-vergonha-decisao-do-copom/
3-Fonte:https://www.conjur.com.br/2023-fev-16/senso-incomum-autonomia-banco-central-compativel-constituicao
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