Certamente mais da metade dos brasileiros tem consciência e clareza de que os vinte e um anos de “ditadura militar” foi um dos capítulos mais triste e vergonhosos da história do Brasil.
O golpe militar de 1964, apoiado por parte da grande mídia e pelas oligarquias do país, resultou na cassação de direitos políticos, fim do pluripartidarismo, repressão aos movimentos sociais e sindicais, censura aos meios de comunicação e aos artistas, e o uso de métodos violentos, inclusive a tortura e o assassinato de todos que se opunham ao regime autoritário.
Com fim do período de exceção, o Brasil inicia um processo de pseudo-redemocratização, mas pouco antes, em 1979, o presidente, general João Figueredo, sob pressão da sociedade, antevendo o fim da ditadura e buscando proteger os militares, sancionou a Lei n.º 6.683/70 que concede anistia “a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes”. Aliás, a legitimidade dessa Lei é questionada, visto que, parte dos senadores que a aprovaram não foram eleitos, são os chamados senadores biônicos, coisa da ditadura militar!
Com o fim do regime de exceção, vieram às eleições indiretas, em seguida a promulgação da nova Constituição Federal, e finalmente, em 1989, a primeira eleição direta após o regime de “chumbo”.
Contudo, está claro que esse ciclo de redemocratização do país não se completou, falta ainda, conhecermos as entranhas do regime militar que marcou de forma indelével a vida dos brasileiros.
Procurando completar esse ciclo, foi criada a “Comissão da Verdade” por meio da Lei n.º 12.528/2011. Essa Comissão tinha como finalidade examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período da ditadura militar, a fim de efetivar o direito à memória, à verdade histórica, e promover a reconciliação nacional que deveria vir com as devidas punições dos militares envolvidos nas barbáries praticadas na ditadura militar, assim como ocorreu na Argentina e no Chile, por exemplo. No entanto, isso não ocorreu, todos ficaram impunes graças a Lei da Anistia e o resultado veio em 2018!
Depois do golpe militar o Brasil passou por mais um golpe de estado, porém, este sem os tanques de guerra nas ruas, mas com a apoio dos mesmos atores de outrora, inclusive, dos militares. Estamos falando do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff que, aliás, foi inocentada do crime de improbidade administrativa pelo Tribunal Regional Federal (TR-1) que arquivou o processo, ou seja, não houve crime de responsabilidade, mas houve o vergonhoso e ilegal impeachment da presidenta Dilma, um golpe que abriu caminho para mais um triste capítulo da nossa história política que foi a eleição de Bolsonaro e o desabrochar de uma extrema-direita que se encontrava adormecida nas profundezas dos esgotos país afora.
Com a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022 e logo depois da posse do presidente Lula em 2023, no dia 08 de janeiro, o povo brasileiro assistiu, incrédulo, a tentativa de mais um golpe de estado e novamente lá estavam os militares e parte do empresariado do país que apoiaram a extrema-direita na invasão e depredação dos Prédios dos Três Poderes.
Logo depois dessa barbárie começaram as investigações e punições dos terroristas, dos golpistas e de seus financiadores e apoiadores, inclusive militares de baixa patente das Forças Armadas, da PM e até de agentes da PRF, mas, estão de fora, por enquanto, os militares de altas patentes das Forças Armadas, em especial, do Exército Brasileiro.
Mesmo diante de fortes indícios e até de robustas provas do envolvimento de militares na tentativa de golpe do dia 08 de janeiro, as notícias que nos chegam dão conta de que está sendo costurado um grande acordo envolvendo o governo federal, o Parlamento e a Justiça para brindar os militares, especialmente, os oficiais generais.
A propósito, o jornalista Jeferson Miola escreveu que “são visíveis as costuras do acordão para livrar a responsabilidade das cúpulas fardadas e de altos oficiais das Forças Armadas que cometeram crimes, criaram esquemas sistêmicos de corrupção e atentaram contra a democracia. O site Metrópoles destaca que a blindagem das Forças Armadas une governo e oposição1”.
A fala da senadora Eliziane Gama, relatora da CPMI dos atos golpistas, comprova a assertiva de Jeferson Miola. Disse a senadora: “Acho que as Forças Armadas no Brasil hoje, o Alto Comando, a instituição, Forças Armadas impediu um golpe no país2”.
Já o deputado bolsonarista, Arthur Maia/PP, presidente da CPMI, declarou: "Eu entendo que foi justamente pela conduta correta, comprometida com a Constituição e com os valores democráticos, que esse país durante essa transição do governo diante de tantos problemas que aconteceram, como tentativa de atentados terroristas, invasão da Polícia Federal, o próprio 8 de janeiro, o papel das Forças Armadas foi fundamental para que nós preservássemos a democracia no nosso país3".
Evidente que não tem como punir uma instituição militar, mas se os seus comandantes participaram de forma direta ou indireta da tentativa de golpe ou de outros crimes durante o governo Bolsonaro, têm sim, que ser denunciados, julgados e devidamente punidos nos termos da lei. Não se pode esquecer desse bando de golpistas composto por civis, militares da reserva, família de militares da reserva, família de militares da ativa, todos acampados em frente dos Quartéis gritando palavras de ordem contra a democracia e arquitetando atentados a bomba, depredação de cidades e invasão como aconteceu com os Prédios dos Três Poderes. Não há dúvidas de que esses acampamentos se transformaram em verdadeiras incubadoras golpistas que estavam instaladas em área militar, onde é proibido esse tipo de manifestação, aliás, esses acampamentos receberam apoio dos comandantes dos quartéis, pois disponibilizaram água e energia elétrica e o pior, essa energia é fruto do famoso “gato”, ou seja, são os comandantes do Exército cúmplices de uma ilegalidade. Imagina se o MST resolve fazer um acampamento em frente aos quartéis, qual seria a reação?
Outro fato que, no mínimo, compromete o alto comando do Exército foi a noticia do jornal Folha de São Paulo de que no dia 07 de janeiro a cúpula do Exército já estava ciente da crise que viria eclodir no dia 08 de janeiro, pois, foram devidamente informados pela Agência Brasileira de Inteligência e pelo Centro de Inteligência do Exército que produziu seus próprios relatório que foram enviados informalmente, via whatsapp, aos comandantes, mas que foram solenemente ignorados pelo alto comando do Exército.
Portanto, há que se deixar claro que os comandantes das Forças Armadas envolvidos na tentativa do golpe de 08 de janeiro, têm sim que ser responsabilizados no rigor das leis, agora se isso vai manchar, ainda mais, a imagem das Forças Armadas é um problema, exclusivamente, dos próprios militares envolvidos nesse atentado contra a democracia, aliás, uma das maneiras de se preservar essa tal imagem é a própria Justiça Militar e a Justiça Comum punirem esses militares de forma severa, inclusive, com a pena de expulsão, não se pode esquecer, também, que Bolsonaro, além de ser cria dos militares, teve total apoio dos mesmos, inclusive, na criminosa condução da Pandemia.
Por fim, tem que se ter clareza, também, que não pode prosperar o argumento de que as Forças Armadas são um Poder Moderador, aliás, nesse sentido o brilhante dirigente José Genuíno nos adverte que “...a tutela militar se expressa na ideia de que eles são o poder moderador, donos do estado e do patriotismo, mas não são, na verdade, são subordinados ao poder civil que emana do voto popular.... Como portam arma com o monopólio da violência, acabam tendo a força na mão. É um modelo de pressão política…4”
Diante de tudo isso, fica claro a imperiosa necessidade de desbolsonarizar as Forças Armadas e desmilitarizar o governo. Um passo importante está por acontecer com a PEC que propõe criar regras para proibir que militares da ativa
das Forças Armadas disputem eleições ou ocupem cargos no primeiro escalão do
Executivo e impõe restrições à cumulação de cargos, bem como ao exercício de
cargo, emprego ou função pública civil temporária, mas, a PEC segundo informações, não revoga o citado Art. 142 da CF/88 a que se refere o brilhante José Genuíno. Mas, além dessas medidas, se faz urgente, também, a realização de uma profunda reforma/revisão dos conteúdos dos currículos das Escolas Militares que estão presas ainda, aos pretéritos tempos da Guerra Fria e do inimigo interno, leia-se comunismo!
Já no caso dos atuais crimes contra a democracia, é urgente punir no rigor das leis todos os militares envolvidos na tentativa de golpe do dia 08 de janeiro, pois, o país não pode conviver com militares golpistas e uma nova anistia seria um erro gravíssimo que poderá fortalecer a caserna e matar pela segunda vez, a nossa frágil e incipiente democracia. Não a anistia aos militares do 08 de janeiro!
1 Fonte: https://www.brasil247.com/authors/jeferson-miola
2 Fonte: https://www.brasil247.com/authors/jeferson-miola
3 Fonte: https://www.otempo.com.br/politica/congresso/maia-militares-envolvidos-no-8-de-janeiro-nao-refletem-as-forcas-armadas-1.3208474
4Fonte:https://marcozero.org/ou-comanda-as-forcas-armadas-ou-e-comandado-por-elas-o-conselho-de-jose-genoino-para-lula/
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