Passada a refrega eleitoral, somos instados a fazer uma breve análise sobre este pleito, que sem dúvidas, foi marcado pela fake news, mentiras, pelo ódio, o medo, o uso desenfreado da máquina pública, enfim, por vários episódios grotescos e muito sórdidos. Evidente que isso não seria diferente, pois, o atual presidente e ex-candidato à reeleição, sem um discurso consistente e sem Projeto Político, apostou no tudo ou nada para ganhar as eleições. Aliás, esta foi à única saída para tentar afastar o caráter plebiscitário e comparativo desta eleição, ou seja, o confronto entre os Governos de Lula e do atual ocupante do Palácio do Alvorada.
E foi neste contexto, não obstante a presença de outros candidatos na disputa, que a eleição ficou mesmo polarizada entre dois campos políticos: de um lado a extrema-direita representada pelo inominável e de outro as forças progressistas representada por Lula e assim veio o primeiro turno das eleições e Lula venceu com 48,45% dos votos. Já seu principal adversário obteve 43,20% dos votos. Ciro Gomes amargou uma quarta colocação e Simone Tebet ficou com o honroso terceiro lugar com 4,16% dos votos.
Em seguida aconteceu o segundo turno das eleições e como já era de se esperar a extrema-direita fez de tudo para vencê-la. O candidato da situação usou e abusou da máquina pública e o que se viu foi a inércia da PGR e do TSE. Um dos casos mais emblemático neste segundo turno, foi o aparelhamento das forças de segurança pública, em especial, da PRF que protagonizou um dos momentos mais grotesco e abjeto dessa eleição. A PRF, possivelmente, a mando do governo, simplesmente organizou 560 blitz pelo país afora, e dessas, "coincidentemente", mais da metade foi na região nordeste. O objetivo, não obstante as explicações da PRF, foi na verdade, tentar impedir ou dificultar que eleitores fossem votar. O absurdo foi tamanho que até ordem judicial emanada do presidente do TSE foi descumprida pelo direitor-geral da PRF para levar a cabo a sórdida estratégia.
Mas parece que PRF não parou de agir politicamente e mais uma vez foi leniente em suas ações. Desta feita foi nos casos dos bloqueios das estradas brasileiras que começaram logo depois do resultado das eleições. Um movimento de caminhoneiros bolsonaristas que não reivindicavam absolutamente nada e que não passou de um movimento político de derrotados que objetivou, tão somente, criar um clima de terror na esperança do seu "mito" tomar alguma medida em defesa do movimento, de preferência a ruptura institucional. No entanto, esqueceram-se que o seu presidente não tem forças para mais nada, está totalmente isolado e abatido com os resultados das urnas.
Mas voltando ao objeto do nosso texto, encerrada a votação começou a apuração dos votos e o que se viu foi uma eleição disputada voto a voto até o final da apuração quando foi consagrado o presidente Lula como vencedor com 60.345.999 milhões votos e seu adversário com 58.206.354 votos, uma diferença de 2.139.645 milhões de votos. Lula virou a eleição e venceu graças a força, a valentia e a conhecida resistência do povo de sua terra, o mágico nordeste.
Terminada mais uma eleição e como dito alhures, somos instados a fazer uma análise e especialmente tentar explicar esse abjeto movimento da extrema-direita tupiniquim.
A primeira conclusão que chegamos que, aliás, é uníssona no campo progressista, mas não publicitada por algum tipo de receio, é que o Brasil precisa, urgentemente, de uma Constituinte exclusiva, livre e soberana para escrever uma nova Constituição Federal, na qual um dos pontos cruciais seriam a Reforma Política e das Instituições. A segunda conclusão é que se não fosse a liderança que o Lula, ainda exerce, na classe trabalhadora, certamente, o presidente seria reeleito. A última não se trata de conclusão, mas sim, de uma inquietação de fundo sociológico que, aliás, é o tema central dessa discussão: como um presidente da república, que levou o país à total degradação das relações sociais, políticas, econômicas e com permanentes ataques ao Estado Democrático de Direito e que no campo pessoal, tem um comportamento autoritário, misógino, homofóbico, racista, sexista e negacionista conseguiu 58 milhões votos?
No modesto entendimento, há um elemento crucial, mas obviamente não conclusivo, para tentar responder essa pergunta: e a resposta pode ser a força da religião, ou melhor, a força das "organizações religiosas", como bem nos ensina o professor Reginaldo Nasser. Aliás, o documentário "As Vozes de Bolsonaro" da jornalista Carla Araújo do Portal UOL nos dá uma boa dimenssão do peso da religião no movimento bolsonarista. Porém, vale registar que está claro que essas organizações religiosas não estão sozinhas nesse movimento de extrema-direita, evidente que há, também, outros estratos sociais que se juntam a essa corrente política que tomou conta do país durante esses últimos cinco anos.
Outra
explicação para essa possível dicotomia é explicada pela psicologia como
dissonância cognitiva e efeito manada. A dissonância é um viés cognitivo que
ocorre quando as pessoas precisam dar coerência às suas crenças quando estas
são desmentidas pelos fatos. O conceito remete à necessidade, do indivíduo, de
procurar coerência entre suas cognições (conhecimento, opiniões ou crenças). A
dissonância ocorre quando existe uma incoerência entre as atitudes ou
comportamentos que acredita serem certos e o que realmente é praticado. Já o efeito de manada se refere à tendência de
seguir o comportamento de um grupo. Para entender como ele funciona, é preciso
considerar que o cérebro humano sempre busca formas de poupar energia. Assim,
algumas decisões são feitas de forma automática, sem muita reflexão.
Mas, não obstante essas observações ficou claro que embora o “Capetão” se caracteriza mais como um bonapartista, seus discursos se espelham muito no fascismo clerical, aliás, o slogan do atual governo, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” se assemelha muito ao slogan do fascismo, “Deus, Pátria e Família”. Aliás, esse movimento bolsonarista busca influências, também, em outras organizações fascistas, como, por exemplo, o "Integralismo" criado por Plínio Salgado Corrêa na década de 1930, e/ou no movimento chamado "Tradição, Família e Propriedade (TFP) criado nos anos de 1960. Outra influência que podemos destacar é no movimento estadunidense de extrema-direita denominado QAnon.
Neste contexto, se sabe que o “capetão” conseguiu emplacar um governo quase teocrático, praticamente dominado por religiosos “terrivelmente evangélicos”, inclusive, dois ministros do STF indicados pelo “capetão” seguem essa cartilha, ou melhor, seguem a Bíblia do presidente. E foi nessa linha fundamentalista que o governo apresentou a abjeta pauta de costumes e com isso ganhou a elite conservadora do país e conseguiu cooptar, em definitivo, não só por meio dessa pauta, mas também, pelas benesses governamentais (Bolsolão), várias Igrejas Evangélicas, ou melhor, organizações religiosas, especialmente, as pentecostais. Aliás, para mostrar o peso dos evangélicos nas eleições, vale registrar que 31% da população brasileira é evangélica. O Brasil é hoje o maior país pentecostal do mundo, com aproximadamente, 40 milhões de fiéis submissos a Pastores a serviço do Poder. Mas não é verdade que a pauta de costumes encontra eco apenas junto aos evangélicos, ela está muito presente, também, no meio católico, em especial, no Movimento da Renovação Carismática Católica (RCC), um segmento da Igreja Católica muito conservador que nasceu nos EUA na década de 1960 e foi enviado para América do Sul, com a concordância de Papas, com objetivo de sufocar a Teologia da Libertação.
Mas afora este aspecto religioso há outro elemento que se soma e pode ajudar a explicar essa votação do inominável: a política econômica do seu governo que nitidamente teve muito peso nessa eleição, afinal, essa política foi concebida para atender aos interesses do mercado e esse agrado certamente, foi recompensado com boa parte do financiamento da campanha eleitoral do atual ocupante do Palácio do Alvorada.
De resto, sabe-se que o bolsonarismo é pobre e primário como ideário político e como fenômeno de massa, mas de qualquer forma fica a expectativa em saber se este período de fascistização do movimento de extrema-direita, terá eco no futuro ou se isso não passou de um efêmero modismo que brevemente será rechaçado pelo povo brasileiro e pelo próprio processo de democratização do país. Outra reflexão desafiadora é saber qual será o papel da religião nesse movimento de extrema-direita que teve, assustadores cinquenta e oito milhões de votos em 2023.
Diante de tudo isso, fica o entendimento de que cabe agora as forças progressistas manter a unidade para a fase mais difícil de todo esse processo: governar o país e fazer as contrarreformas e reformas que tanto a classe trabalhadora almeja, lembrando, porém, que o governo Lula terá pela frente um Congresso fisiológico, muito conservador e disposto a tudo para impedir a governança, por isso, é imperioso para o governo manter o diálogo permanente com os movimentos sindicais, estudantis e populares, pois, será o povo e os trabalhadores organizados que ajudarão na governabilidade, lembrando, ainda, que as forças progressistas do país tiveram uma importante vitória eleitoral, mas ainda não foi a vitória política definitiva.
Por fim, vale citar a célebre frase do filósofo empirista, Francis Bacon que espelha muito bem o que vivemos nessa quadra: “A verdade é filha do tempo, não do autoritarismo".
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