Por: Odilon de Mattos Filho
O dia 24 de julho de 2021 foi mais um dia de grandes manifestações contra o governo Bolsonaro, porém, um ato chamou atenção e reverberou na mídia e nas redes sociais. Um Movimento denominado Revolução Periférica, em protesto, ateou fogo na Estátua do “Bandeirante” Borba Gato, localizada na cidade de São Paulo.
Na minha época de estudante do “Grupo”, hoje anos iniciais do ensino fundamental, nos foi ensinado pelas nossas queridas e inesquecíveis professoras as histórias dos “Bandeirantes”. Os livros didáticos traziam histórias permeadas de aventuras e de muita coragem destes “destemidos” homens que entranharam nas matas do Brasil com o objetivo de explorar as nossas riquezas e levar o desenvolvimento para algumas regiões do país.
Essas histórias me acompanharam até o momento em que tive que deixar minha pequena e bucólica cidade de Andrelândia nas Minas Gerais, para fazer o ensino do segundo grau na cidade de Juiz de Fora, onde descobrir que esses destemidos homens chamados Bandeirantes, longe de serem símbolos do Estado, na verdade, não passavam de jagunços covardes, saqueadores, assassinos e estupradores dos povos originários e de negros.
O fogo ateado na estátua de Borba Gato pelo Movimento Revolução Periférica desencadeou grandes discussões. Os grupos conservadores da extrema-direita, especialmente, os bolsomínios, de imediato, rechaçaram o ato e o enxergaram como puro vandalismo de jovens da esquerda e talvez, como bem escreveu o jornalista Henrique Rodrigues, esses fiéis seguidores da seita verde-amarela se identificaram na figura de Borba Gato e saíram em sua defesa, aliás, não seria nenhum espanto proporem à mudança do nome do bandeirante para “Borba Gado”.
Mas, não obstante essa posição dos conservadores, grupos de esquerda também se manifestaram. Parte entende que mesmo considerando a nefasta figura de Borba Gato esse monumento não deveria ser destruído, mas sim preservado para que se possa discutir com as novas gerações as bárbaras histórias dos “Bandeirantes”. Outros defendem o ato dos jovens da Revolução Periférica como um justo protesto contra aquele que barbarizou as vidas dos negros e dos povos originários do nosso país.
Aliás, esses tipos de homenagens, como a de Borba Gato são típicas das elites cheirosas de São Paulo. A propósito, o historiador Casé Angatu, professor da UFSCa, “lembra que a homenagem aos bandeirantes por meio de estátuas decorre de dois momentos definidores: a partir da década de 1870, durante a Belle Époque brasileira, em que se buscou “europeizar” arquitetonicamente a cidade de São Paulo e na década de 1950, que retoma o ideário bandeirante no seu quarto centenário, onde as homenagens simbolizam uma tentativa de a capital se desvincular de suas origens indígenas, negras, caboclas e caipira para se aproximar de uma metrópole europeia1”.
Somos pelo entendemos de que proteger ou resgatar a história, mesmo àquelas permeadas pela barbárie é imprescindível para a memória histórica e para as futuras gerações, porém, quando se trata de pessoas que possuem seus nomes atrelados às barbáries cometidas no país, deveriam ser lembrados somente nos livros e museus. Não pode e não se deve permitir homenagens com nomes desses crápulas em espaço públicos, como ruas, avenidas e prédios públicos.
A propósito, no governo do prefeito Fernando Haddad foi lançado um programa denominado “Ruas de Memórias”, que aliás, deveria ser implantado pelo governo federal, estaduais e municipais. Este programa consistia nas alterações de denominações dos espaços públicos, especialmente, aqueles que tinham nomes de pessoas que atuaram, perversamente, na ditadura militar. Uma das idealizadoras deste programa, Clara Castellano, explica que mesmo após o fim da ditadura, diversas marcas do regime continuaram pela cidade. “As pessoas naturalizam um período marcado por autoritarismo, por violações políticas, por tortura, assassinatos, sumiços de pessoas....Não podemos naturalizar e não podemos permitir que existam permanências de um período que notadamente violou direitos humanos e que notadamente não era democrático. Porque naturalizar esse símbolo significa naturalizar as violações cometidas por esses violadores, portanto, alterar os nomes das ruas é uma forma de ressignificar os espaços públicos2”.
Neste contexto, vale trazer uma lembrança que corrobora a postura hipócrita, preconceituosa e elitista de boa parte da sociedade brasileira. O Monumento Eldorado Memória, construído para homenagear os dezenove sem-terra assassinados no massacre de Eldorado Carajás, foi destruído duas semanas depois de inaugurado, nunca foi reerguido. O Memorial 9 de Novembro, construído em memória aos três trabalhadores da antiga CSN, assassinados pelo Exército Brasileiro durante a greve dos operários, foi destruído no dia seguinte à sua inauguração. Nos dois casos não se viu a mesma gritaria e indignação como aconteceu com a estátua de “Borba Gado”.
Outra notícia que confirma o preconceito das elites e das instituições foi a decretação da prisão temporária de Paulo Galo um dos líderes do Movimento Revolução Periférica. Paulo compareceu na Delegacia de forma espontânea e prestou o devido depoimento confirmando a sua participação no "crime" contra a estátua de "Borba Gado". O investigado não se enquadra nos dispositivos do artigo 1º da Lei 7.960/89 que dispõe sobre a prisão temporária. Portanto, qual a justifica para essa prisão?
Realmente, estamos diante de mais um caso de racismo institucional e de perseguição aos movimentos sociais e populares.
Assim, e diante desse incandescente caso, deixamos consignado que entendemos que o ato do Movimento Revolução Periférica foi justo e legítimo. Não podemos ter qualquer condescendência com o arbítrio, afinal, vivemos tempos obscuros e essas macabras lembranças do passado espalhadas pelos espaços públicos podem alimentar as mentes e corações de déspotas do presente. Portanto, somos pelo fim de todas as homenagens, símbolos ou nomes de violadores dos direitos humanos nos espaços públicos, esses merecem ser lembrados apenas nos livros e museus, afinal, a memória tem o objetivo do não
esquecimento e as gerações futuras têm o direito de ter acesso as informações precisas
e bem fundamentadas sobre qualquer período
histórico do país. Portanto, mesmo esses tempos obscuros é preciso tê-los na
história e na memória “para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”
1Fonte:https://bemblogado.com.br/site/estatua-de-borba-gato-entenda-porque-manifestantes-a-incendiaram/?fbclid=IwAR1s3cyY0LmgjdoxyGEeiIjHweGAkVKIlA_ZnClfe9IQDQohs9r-z0GpLbE
2 Fontehttps://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2020-01-23/sao-paulo-tem-33-ruas-que-homenageiam-personagens-e-datas-da-ditadura.html
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